quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

 E, de tudo o que eu vejo, ouço e sinto, muito tenho engolido às pressas, às vésperas da fome. 

Indigesto e vasto agora. 

Visto meu colar de girassol e sigo entre mundos. 

Sofro de transtornos ocultos. 


Rafael Freitas 




quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Não tem cura

Meu coração vai na frente

Ofegante, infante, sem respiração

Um coração que hesita

Mas exulta e exalta toda a criação


Meu coração passageiro

Que vagueia sem rumo à procura de chão

Que ecoa em um peito vazio

Com espaço pro novo e sua incursão


Meu coração não tem cura

Em sua epopeia é seu próprio vilão

Se destrói, se automutila

Em seguida adoece em busca do perdão



Rafael Freitas

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Centelha de luz

 A imbecilidade invadiu a cidade

Com a facilidade do espaço vazio


De verde e amarelo, cantando um poema

Que não era pra cena, um desvario


O verdadeiro imbecil é resistente

Doente, demente, de curto pavio


Mas, ainda tardia, por felicidade

Na mesma cidade, uma estrela se viu


Seguindo seu rumo, furando bloqueios

Em seus devaneios de um novo Brasil


A nossa bandeira não será vermelha

Centelha de luz em um mundo sombrio


                                                                       Rafael Freitas




terça-feira, 30 de novembro de 2021

Lamaceiro

Era uma fila enorme na porta de um condomínio.

Condomínio de rico, em frente ao Portal, onde as pérolas se escondem.

Pérola negra, em meio ao lixo de um lamaceiro de entulhos.

Ainda era cedo, talvez antes das seis.

Dezenas esperavam o trabalho, enquanto lá dentro alguns ainda dormiam.

Em xeque a igualdade de um lar e comida.

Povo sem cheque.

Sem casa.

Sem trabalho.

Sem prato.

Sem nada.

E, acima de tudo:

Sem noção de que é excluído pelos que ainda podem dormir.

 

Rafael Freitas





terça-feira, 6 de julho de 2021

Seu lugar

Parecia o fim dos tempos.

O fim do mundo em poucas linhas:

ADEUS.

Parecia um mar aberto, sem encostas.

Sem praia, farol ou andorinhas.

Tudo parecia ser a mesma coisa.

As coisas eram como se não existissem.

DOR.

A dor do luto, da perda inevitável.

O peso do piano nas costas de uma formiga.

Parecia que o ar sufocava.

As pernas não suportavam o peso do corpo enfermo.

FIM.

Parecia um final irresoluto.

Ao mesmo tempo bem resolvido.

Um paradoxo frio e calculista.

Tudo parecia escuro e denso.

Tudo.

PARECIA.

Parecia tudo ser o que não era.

Não era.

Toda lágrima caída.

Toda palavra não dita.

Tudo que era para ser e não foi.

Estava à espera.

CAOS.

Toda confusão mental era um indício.

Um caminho feito a pés sem pele.

Um riso de sangue e abandono.

Era algo que não parecia.

ERA O AMOR PROCURANDO O SEU LUGAR.

 

                                            Rafael Freitas



 

domingo, 23 de maio de 2021

No dia em que enlouqueci

No dia em que enlouqueci os pássaros cantavam.

Nunca saberei responder se estavam felizes, mas cantavam.

Naquele dia, pela pouca memória que me resta, eu não estava atrasado.

Ao que me parece, as coisas acontecem na hora certa.

Como se fosse uma programação além vida. Como uma agenda estelar.

Sempre penso nessa programação com hora marcada.

Talvez isso me conduza à escravidão dos relógios digitais.

Sempre crio confusão com ponteiros quando estou com pressa.

O analógico nos abandona a cada dia. O fazer com as próprias mãos.

No dia em que enlouqueci eu pensava sobre isso: fazer com as próprias mãos.

Era um dia frio e nublado. Vi um tucano pulando nos galhos de uma farinha seca.

Tropecei num pedaço da calçada que se levantava com a força da raiz liberta.

Juro que pensei que não fosse enlouquecer.

Não naquele momento, não tão cedo.

Era cedo, tinha meia idade.

Era cedo, de manhã.

Era cedo, ainda aconteceriam muitas tragédias.

No dia em que enlouqueci eu já não assistia televisão.

Não lia mais autoajuda.

Não jogava na loteria esperando por Deus.

Era um dia cinza, frio.

Um belo dia para se enlouquecer.

Ao menos não errei a data.

No dia em que enlouqueci já não seguia calendários.

Já não seguia setas.

Já não seguia placas.

Talvez eu nem tenha percebido o instante exato em que enlouqueci.

Abandonar padrões de sanidade demanda tempo.

Abri a carteira, numa padaria de esquina, pedi um café.

Eu tinha dinheiro.

Isso não era comum.

No dia em que enlouqueci eu só tinha dinheiro.

Não tinha mais nada, nem ninguém.

O fungo negro secava pulmões.

A peste aérea invisível destruía tudo que tocava.

Um imbecil ria, ofendia, odiava.

Tudo acontecia.

No dia em que enlouqueci, tudo acontecia.

Talvez fosse um dia comum.

Sem amor, sem filhos, sem nação, sem rumo, sem placas, sem nada.

Ainda tinha uns trocados na carteira.

Entreguei ao homem estranho do semáforo.

Pobre homem que todos chamavam de louco.

Mal sabia ele que o louco era eu.

 

Rafael Freitas



 

 

 

sexta-feira, 12 de março de 2021

Hoje é meu aniversário

Eu não consigo entender essa injustiça.

Mais um ano, mais uma comemoração sob o medo e a incerteza.

Devia ser mais um dia comum, como há trinta e seis anos atrás.

Devia ser um choro de renascimento junto ao badalar do sino da igrejinha.

As lágrimas, hoje, são por vidas, sim.

Vidas perdidas. Descaso.

O acaso nos protege.

Não fosse isso, estaríamos todos mortos.

Oh, Santo Protetor das Armas de Fogo, incendeie com sua mais viril chama a consciência flamejante dos imbecis, déspotas, inconsequentes e sarristas filhos de tua pólvora.

Ainda que eu ande pelo vale das sombras da morte, não temerei mal algum, pois Tu estás comigo.

Que minha mãe possa soprar suas velas sobre um bolo de confeitaria e não sobre o túmulo de seus filhos.

Resisto.

Sobrevivo.

Eu não consigo entender essa apatia.

Essas mãos atadas prontas para um nocaute ao poder insensível.

As flores não estão mortas, só murcharam um pouco em meio ao árido topor seco da desonra.

Coração na boca, respiração pausada, medo de inalar o ar que em outros tempos era o prana.

Mais um ano e tudo parece estacionado.

Ampulheta imóvel, areia em suspensão.

Não quero novos anos.

Anseio o que é meu por direito: a vida.

Quero brincar com meus erros e acertos, minhas correções e falhas sem medo de não ter outra chance.

Os dias, desde o buraco na história, são sempre iguais.

Mas hoje não.

Hoje é o meu aniversário.


Oh, Mãe Divina

Me ilumina

Por onde eu andar.


Rafael Freitas





terça-feira, 20 de outubro de 2020

Consertos para a juventude

 Corretores ortográficos são a prova de que um deep state nos controla.

Controle absoluto até dos erros ortográficos tupiniquins.

Corretores de expressão, de pensamento.

Atrás das máscaras são universos oprimidos.

Transformados em pedras de roseta nunca lidas.

Não sabemos do antes, muito menos do agora.

O que virá depois?

Corretores de postura.

Corretores de ideias.

Corretores de falas.

Corretores de corretores.

Com tanta correção, onde estão os acertos?

Concertos.

Consertos para a juventude.

 

Rafael Freitas



quinta-feira, 30 de abril de 2020

A força


Há onze anos espero essa véspera de primeiro de maio.
Dia do trabalho.
Em seu início, essa comemoração tinha o nome de Dia do Trabalhador.
Deve ser porque, em tempos remotos, a vida talvez tivesse mais valor que o mercado.
Talvez fosse um tempo em que o trabalho era nobre e não um desespero atrás do pão.
Pão que está em falta.
Pão que vem aos poucos e com muito sofrimento nesses dias sombrios.
Tem alguns dias que não o vejo.
O mundo está doente e quer contaminar todos com suas tristezas.
Penso todos os dias na sua liberdade que está restrita, na sua bicicleta empoeirada, nos abraços que estou devendo.
Nesse momento em que pastores guiam seus rebanhos ao precipício do medo, em que somos representados pelo velho ódio que se travestiu de novo amor, em que a vida humana ecoa em “e daí?”, precisamos, cada vez mais e mais urgente, da luz das estrelas, da paz, de você.
Esse sorriso que me consola e me energiza.
Esse cheiro de filho, de luta, de não desistir.
Essa força que carrega com paciência.
A energia ancestral das ocassans, batians e ditians.
A sabedoria das Isauras, Litas, Cidas, Noilas e Karinas.
O amor do avô e do pai.
Você carrega em si todo sentimento do mundo e está pronto para o bom combate.
Parabéns, meu filho.
Meu eterno menino que sempre caberá em meus braços.
Amo você. Muito.
“Cresça, independente do que aconteça.
Eu não quero que você esqueça que eu gosto muito de você”.

May the force be with you.

Rafael Freitas


segunda-feira, 20 de abril de 2020

Vigésimo primeiro dia


Era dia 21.
Era feriado.
Já não fazia diferença aquela homenagem prestada a um herói nacional em forma de dia de descanso.    
Quase tudo, em vinte e um dias, não fazia mais sentido.
Os carros eram desnecessários sem poder trafegar, entupindo semáforos, também desnecessários.
Era estranho como as coisas sem valor de outrora ganharam novos significados.
Encontrou alguns discos de vinil empoeirados no canto do quarto de despejo.
Todos talvez se sentissem como aqueles discos de vinil: empoeirados pelos cantos dos quartos de despejo.
Tirou o pó das capas, reconectou os cabos do velho NATIONAL, que já estava embalado para ir para o lixo.
Encontrou várias raridades, que em outro momento causariam inveja em qualquer colecionador. Com tempo de sobra, resolveu ouvir a pouca herança recebida do avô.
Chiado de agulhas. A importância de se prestar atenção ao que ouve, virar o disco.
Algumas coisas sempre serão fora de moda, mesmo em seu próprio tempo.
Entre alguns risos discretos e algumas lágrimas nos olhos teve um despertar: tudo fazia sentido, tudo já foi dito em algum momento.
Há dez mil anos atrás já se previa esse dia em que a Terra parou.
Sim! Conexão direta, universal.
Apressadamente, num ímpeto de descoberta, abriu a velha estante e reencontrou os velhos Orwell, Huxley, Kundera e Sartre.
Uma náusea se fez presente. Vertigem. O mundo se movia como a beira de um abismo. Precisava de algum remédio. Uma dose de endorfina, prazer, desconexão.
Era dia 21, um revolucionário quis a liberdade.
O ir e vir desorientado, incessante e sem motivo dos dias normais ganhava direção e sentido até mesmo nas prisões regadas à cerveja do período domiciliar.
Tudo se conectava, os velhos profetas injustiçados tinham razão.
Apocalipse now.
O Universo se movia em seus pensamentos como uma eterna espiral.
Tudo era uma coisa só.                            
As palavras, repetidas incansavelmente, transmutavam-se em mantras, orações, a língua dos anjos.
A loucura mostrava sua cara, seus tentáculos, suas garras.
Por que agora?
Tudo sempre esteve ali, mas nunca foi notado.
O essencial é invisível aos olhos e quando pode ser visto fingimos não enxergar.
Seu grito rompeu o silêncio da rua deserta.
Silêncio.
Ainda havia uma esperança.
Haviam muitas esperanças.
Reescrever a história, fugir das previsões, o despertar do mundo.
Todos eram um.
Havia muito a se escrever, a se dizer, a se ouvir.
A destruição do que era precioso foi só o começo de um novo tempo.
R.E.C.O.M.E.Ç.O.
Havia enlouquecido?
Não.
Louco era antes.

                                                                                  Rafael Freitas


sábado, 11 de janeiro de 2020

Para Blake

Para Blake Edwards

Amanhã esse pensamento se transformará em palavras, dispostas enfileiradas, na perfeita harmonia.
Amanhã essa harmonia dispersa, feito um quebra cabeça, talvez se torne um hino, entoado por vozes chorosas em um dia seis de janeiro.
Amanhã esse hino de Reis contará sua história repleta de imaginação, feito o carneiro matado e sem pés, das roupas lavadas a mão.
Amanhã sua história será diferente, bonita e repleta de gente aos berros, que você não enxerga e não devolve um sorriso, nem dispensa atenção.
Amanhã esse sorriso sem dentes por medo de anestesia, cheio de resiliência, será menos pecado, afinal, rir é um mal humano.
Amanhã a resiliência, que  hoje exige dureza, será leve e tranquila e o carneiro em pé entrará no paraíso dos terços da misericórdia às três horas da tarde.
Amanhã talvez a gente se entenda e se conheça depois de tantos anos, embora nossa história seja para depois.
Uma história para se entender somente depois de amanhã.

Rafael Freitas

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Tarde demais para acordar


Tem dias que acordamos com a sensação plena de que tudo está perdido.
E, na verdade, tudo está.
Somente está.
No mesmo lugar de sempre.
Tudo em seu lugar.
O que está perdida é a sensação de que estamos no lugar certo.
Lugares certos não existem.
Existissem lugares certos, não haveria evolução.
O bicho se cansou da água e quis morar na terra.
O Universo se cansou do bicho e mandou um meteoro, fogo, fome e morte.
Aí, vieram outros bichos.
Sempre virão outros bichos.
Tem dias que dá vontade de esquecer tudo que sabemos sobre bichos, fome e morte.
Esses bichos que aqui estão não chegaram ao fim da evolução.
Nunca chegarão.
Em breve, muito em breve, o Universo vai repetir o seu cansaço.
Conhecer é caminho sem volta, que quase sempre causa mais sofrimento que felicidade.
Um dia o esquecimento vem, mas aí já é tarde.
Tarde demais para sermos obrigatoriamente felizes, sem questionamentos.
Tarde demais para acordar.

Rafael Freitas


quarta-feira, 26 de junho de 2019

Iguais aos primatas


Era uma vez um zoológico.
ZooDarwin.
Lá havia jaulas gigantescas, muito povoadas, em constante agitação: a ala dos primatas.
Adolfo era o tratador dessa enorme ala dos primatas.
Todos os dias, Adolfo reunia sua equipe de profissionais bem treinados e especialistas em primatas e passava de jaula em jaula, servindo alimentação balanceada, administrando medicação aos enfermos, distribuindo sorrisos e carinho.
Adolfo não pedia nada em troca, afinal era seu trabalho cuidar dos belos e inteligentes símios do tão famoso ZooDarwin.
Mesmo não pedindo nada em troca, o carinhoso tratador de animais sentia-se muito (muito mesmo) feliz e satisfeito ao ver que os bichanos retribuíam seus afetos imitando seus gestos.
Era uma grande festa quando todos percebiam a chegada de Adolfo e sua equipe.
Certo dia, Adolfo teve a brilhante ideia de criar uma coreografia com os animais, com a certeza de sucesso entre os visitantes do Zoo.
Depois de vários ensaios, com adesão quase geral da macacada, marcou-se o primeiro show.
Grande público se fez presente no ZooDarwin, mais precisamente na ala dos primatas.
O coreógrafo Adolfo estava deveras ansioso com a grande estréia de seu “Balé Animal”.
Silêncio no público. Após a contagem regressiva feita lentamente por Adolfinho dos Macacos, iniciou-se o grande baile.
Todos da ala dos primatas imitavam com perfeição os passos decorados e ensaiados e programados e inventados por Adolfo e sua equipe.
Todos da ala, exceto um pequeno chimpanzé, o Randle Patrick McMurphy, mais conhecido como Ran.
Ran achou a dança muito complicada e pensou também que aquilo na verdade nem era coisa de macaco.
Mesmo assim o pequeno Ran queria assistir aos amigos dançarem e ficou encostado na grade, junto ao público, para apreciar o espetáculo.
Ran, que nem queria isso, chamou mais a atenção de todos do que o show preparado com amor por Adolfo.
Todos aplaudiram o símio espectador e até gostaram (um pouco) do espetáculo.
Ran despertou a fúria do tratador de primatas, que tentou, sem sucesso e de diversas formas, ensinar a coreografia ao macaquinho espectador.
Recorreu a grandes pensadores, a outros tratadores, a seus auxiliares mas nada, nem ninguém, pôde reverter o quadro de não-imitação do pequeno chimpanzé.
Na semana seguinte, após comentário geral no ZooDarwin, nova apresentação foi marcada.
Novamente casa lotada. Show impecável.
Ninguém perguntou por Ran, que foi trancado na jaula dos leões provisoriamente para não atrapalhar a coreografia e não desviar a atenção do público.
Randle Patrick McMurphy, o pequeno chimpanzé que não queria dançar, nunca mais foi visto na ala dos primatas nem em qualquer lugar do ZooDarwin, onde só os mais preparados sobrevivem.

Rafael Freitas



segunda-feira, 10 de junho de 2019

Que seja assim


Hoje decidi cuidar de mim.
Talvez pareça uma decisão fácil e simples, mas não!
Cuidar de mim implica deixar os demônios em paz.
Deixá-los em seus sarcófagos cobertos de poeira e teias de aranha.
O óbvio seria eu cuidar sempre de mim.
O óbvio ainda precisa de atenção.
Decidir cuidar de mim não significa êxito.
Pode até ser uma missão sem objetivo, sem finalidade.
Olhar para dentro, pensar nos detalhes do caminho, antes tarde...
Cuidar de um jardim abandonado é trabalhoso.
A vida dá trabalho.
A morte ainda trabalha, no silêncio das noites frias, na vizinhança antiga da minha infância.
As estações se misturam nas manhãs geladas com tardes sufocantes.
Dias longos e silenciosos.
Hoje, só por hoje, vou me demorar mais nos pequenos prazeres.
Hoje, mais que ontem, vou descansar a coluna do peso de um planeta.
Vou dormir quase em paz.
Amanhã, bem cedo, não sei se meu pensamento será igual.
Pode ser que tudo se vá com o nascer do sol.
Mas pretendo, antes tarde, cuidar de mim.
Que assim seja.
Que, só por hoje, seja assim.

Rafael Freitas


quarta-feira, 5 de junho de 2019

Quem mais odeia


Esse seu feminismo barato
De quem não lava as próprias calcinhas
De quem não conhece Simone
Nem leu o seu Beauvoir

Esse seu comunismo de grife
De quem julga os pais uns otários
De quem explora os próprios amigos
Diz pensar no proletário

Esse seu senso crítico de merda
De quem só entende o que convém
De quem explica o que não sabe
De quem já não engana ninguém

Cercada de falsos amigos
Essa sua luta é mesquinha
Repleta de falsos heróis
Lutando sempre sozinha

Um dia o sonho se esvai
Em seu rebanho, nenhuma ovelha
Levará sua vida vazia
À custa de quem mais odeia

Rafael Freitas



sexta-feira, 31 de maio de 2019

Insatisfação


A amargura secou os lábios
Escureceu os olhos
Empalideceu a face
Amoleceu os ossos

O sofrimento tirou a luz
Amarelou os dentes
Ressecou a língua
Apodreceu a carne

O egoísmo tirou a vida
Zumbiu os ouvidos
Perdeu o senso
Desorientou a direção

A felicidade se escondeu
Procurando brecha
Em meio a tanta
Insatisfação

Rafael Freitas



terça-feira, 30 de abril de 2019

Dez anos em Saturno


“Te amo, isso eu posso te dizer, como eu gosto de você, ah, como eu gosto de você!”
Mais de seis mil dias em Marte.
Acordei com esse tempo nas costas nesse trinta de abril.
Não habitei mais este mundo desde que conheci seu olhar cheio de vontade, de força, de esperança.
Duzentos e noventa anos em Saturno.
Quase uma eternidade bíblica, uma vida inteira sua, grande parte da minha, que diante de um universo não é quase nada.
Um universo de coisas a se conquistar, coisas que, conquistadas sem amor, não significam nada.
Cento e vinte anos em Júpiter.
E nessa centena de milhares de abraços, nesse infinito de entendimento em olhares, nesse tempo de compreensão mútua, recebi muito mais do que ofereci, doei mais de mim do que imaginei que pudesse fazer.
Completamos esse ciclo juntos, um ciclo pequeno frente à capacidade do seu coração, frente à capacidade do meu coração em amar alguém.
Que nosso futuro seja o caminho repleto das flores que semeamos.
Você sabe das coisas e as explica melhor do seu jeito do que eu tentando ser acadêmico.
E, quase sempre, explica o mundo.
Você está pronto.
Sinto pesar em saber que um dia, talvez em breve, você encontre novos caminhos e nossa rotina se afaste uma da outra.
Ao mesmo tempo, tenho muito orgulho por ter certeza de que, esteja onde estiver, você será a luz que iluminará seus passos e o caminho de outras pessoas.
O acaso pode até separar nossas rotinas, mas meu pensamento, meu coração e minhas orações estarão sempre contigo.
Estive, estou e estarei aqui, todo o tempo.
O mundo é seu, meu filho, meu amor, meu Pequeno Ramone!

Rafael Freitas



quarta-feira, 24 de abril de 2019

Todo mundo é mais feliz


Todo mundo é mais feliz que eu.
Ao menos todos sorriem mais.
Ao menos publicam fotos sorrindo.
Talvez, todos se incomodem menos do que eu.
As almas incomodadas nunca estão satisfeitas, nunca se realizam e quase nunca sorriem.
Todo mundo parece ser mais feliz que eu.
Logo eu, que sempre soube o que queria da vida.
Logo eu, que sempre achei que soubesse o que queria da vida.
Logo eu, que sempre achei que soubesse algo.
E agora, com o tempo passado, eu que achei que soubesse, não sei nem onde estou.
Não que esteja perdido.
Não que não tenha uma casa.
Não que não tenha ninguém.
É que não tenho encontro.
Não tenho esse encontro com caminhos, com casas, com pessoas.
Todo mundo acha que parece ser mais feliz que eu.
Ao menos republicam imagens, por mais antigas que sejam.
Talvez a felicidade more sempre no passado, no “eu era feliz e não sabia”.
“...e não sabia”. Talvez a felicidade more na ignorância.
O não saber pode ser a chave para o mundo mágico de Alice.
O País das Maravilhas.
É que eu desisti de ser o adulto dos meus sonhos de vinte anos atrás.
Todo mundo sonhou um dia.
Todo mundo sonhou que achava que parecia ser mais feliz que eu.
Eu acho.
Acho mesmo.
Que estamos todos no mesmo barco.
Tenho certeza.

Rafael Freitas





segunda-feira, 22 de abril de 2019

Frente a frente


Frente a seu amor serei preciso
Incisivo feito fosse uma navalha
A alma estática frente ao paraíso
O corpo em chamas feito uma fornalha

Frente a seu amor serei contido
O medo faz o vil vencer grandes batalhas
Camuflado em sangue e pó se for preciso
Escondendo a dor feito um canalha

Frente a seu amor serei preguiça
O trabalho cansa a mais nobre alma
Serei rendido por condenáveis vícios
Sem me tornar estorvo (desgosto) em sua cama

Frente a seu amor serei como você
Quero entender como você se agüenta
Quero entender tudo sobre cinismo
E essa breguice dos anos noventa


Rafael Freitas





sexta-feira, 22 de março de 2019

Queda livre


Era uma enorme e bela queda livre
Vento forte, cabelos soltos, por toda parte
Um corpo ainda quente em queda livre
Sentindo-se finalmente desprendido
Era linda a visão daquela queda livre
Abria a boca e os olhos o vento forte, cabelos
Pesava quase nada o corpo em queda livre
Que agora, depois de tanto, sentia-se liberto
A liberdade que se busca toda a vida
Estava em alguns segundos em pleno ar
A liberdade que não se compra e não se vende
Caía feito pena, feito rocha, feito fosse luva
A liberdade, meus amigos, caía bem
Ser livre cai bem a todo mundo, tenha certeza
A liberdade, meu caro, quando toca o solo
Não passa do recomeço de uma prisão

Rafael Freitas





terça-feira, 19 de março de 2019

O que não é belo


Ando com o argumento gasto
Como um sapato velho
Que ainda me serve
Mas está consumido e furado
Ninguém deseja coisa usada
O que é sujo, imundo
Não serve nem aos porcos
Que serão presunto
Ando com as idéias tortas
Não como a torre em Pisa
Idéias que não rendem beleza
Nem belas fotografias
E o que não é belo
Não serve a ninguém
O mundo esconde o feio
Como se não existisse
A felicidade anda a prazo
Daqui a pouco reaparece
Talvez pré-datada
Talvez hoje ou nunca mais
O que nos resta é esperar
Como se o tempo jamais passasse
Como se o rio não mais corresse
Como se não houvesse um final.

Rafael Freitas




quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Novos horizontes


Não ficou pedra sobre pedra.
Nenhum rastro se encontrava sob a devastação.
Tudo havia sido em vão até ali.
A fumaça cobria o horizonte, o sol estava branco, luz acinzentada, palidez de um verão amorfo.
Os caminhos percorridos até então não existiam mais.
Olhava onde havia antes uma estrada e só enxergava o fim.
Como se o passado se resumisse a passos largos deixados pelo chão.
Como se o futuro não tivesse explicação.
Os fins precisam de meios.
Não havia.
Quando não se há para onde voltar, o único caminho é o destino.
Incerto, acaso, ao léu.
“Terra à vista”, diriam os navegadores que nunca olham para trás.
Girou o corpo lentamente, na certeza de que tudo ao redor estivesse igual.
Destruição, ruína.
Cheiro de podre, de fumaça, de desesperança.
Fechou os olhos e completou a volta.
Sabia que de agora em diante sua história e tudo aquilo do que tinha certeza não significavam mais nada, além de palavras sem sentido, provas sem crime, testemunho sem fatos.
Sentiu a energia mortal da destruição.
Respirou fundo a acidez do ambiente.
Abriu os olhos lentamente.
O silêncio reinou em meio ao caos.
Nada se ouvia em quilômetros.
Uma lágrima desceu deixando um risco na poeira escura do seu rosto.
Havia uma trilha.
Estreita e cheia de curvas.
Mas havia uma trilha.
Deixou o passado em seu lugar, os caminhos largos destruídos pelo tempo.
Seguiu em frente apertando o corpo.
Abatido pela catástrofe, rumo ao desconhecido.
“Novos horizontes, se não for isso, o que será?”

Rafael Freitas