Olhava distante a cidade.
O vidro embaçado pela chuva
dava a impressão de que a realidade não era aquela.
Talvez, realmente, não
fosse.
A cidade, enorme, engolia os
carros e as pessoas e cuspia um barulho ensurdecedor.
Todos, sem exceção, buscavam
não se sabe o que, não se sabe onde, não se sabe quando.
Uma inquietude na alma que
refletia em dores no corpo, aperto no coração.
Desceu correndo do carro sem
prestar muita atenção ao redor.
Pausa.
Encontrou-se,
repentinamente, no ano que não terminou.
As mãos suadas, a boca e os
olhos secos.
Queria sair dali, correr sem
olhar pra trás, mas era tarde.
Desviou o corpo trêmulo das
fardas, subiu as escadas infinitas e encarou o cárcere voluntário.
Como foram aqueles anos?
O que aquelas paredes viram?
Será que foi tudo mentira ou
a verdade se esconde no cinza dos corrimões?
Definitivamente, não era
isso. Não era aquilo. Não era.
Melhor ir embora.
Melhor não voltar no tempo.
Viverá eternamente com esta
dor no estômago do ano que não terminou, deste ano que não termina.
Viverá eternamente com esta
angústia do passado que volta à tona, dos dias que parecem não ter fim.
Rafael Freitas