domingo, 15 de agosto de 2010

A última ceia


Já não suportava mais aquela dor.

O abdome lhe doía com tanta intensidade que o estava levando à loucura.

Não se lembrava mais quando fora a última refeição. Perdera a noção de tempo e espaço.

A fome era excruciante. Ouvia suas entranhas suplicarem por pão.

Ali no chão, encolhido junto à parede, contorcia-se.

A lucidez há muito o abandonara.

Imagens desconexas surgiam em sua mente como slides projetados. Não entendia.

A mente gritava: Fome!

O corpo implorava: Morte!

Em seu delírio, arrastou-se até o caixote. A mão trêmula apanhou a única faca.

Com muito esforço, despiu-se.

Enterrou a faca na magra coxa. Cortou-lhe um pedaço, levando-o à boca.

A fome era tamanha, sequer mastigou.

Prosseguiu a automutilação.

Mais um pedaço. Desta vez saboreou.

Nunca experimentara nada parecido.

Apreciou a iguaria.

Entregou-se àquela refeição.

A última de sua vida.

                                                                                                            Renato Duran

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