A maternidade estava em silêncio.
Ninguém queria falar sobre o fato. O erro médico, o
afogamento, as lágrimas e orações de um pai ateu.
Ninguém assumiu a culpa. De quem era?
Talvez um carma fosse vivido naquele momento.
Talvez: a palavra que explicaria toda vida desde então. O
estar entre. Nem lá, nem cá.
O bebê estava morto. Quase morto. Era questão de tempo.
Respiração ofegante em seu pequeno peito.
Um frango doente, último suspiro.
Não havia mais esperança.
Havia o silêncio.
O silêncio que sempre houve antes de tudo.
A fé que nascia entre todos era quase um apelo ao tempo. Que
fosse logo, indolor.
Sangue, transfusão.
Capela, oração.
Não se sabe como. Talvez esse fosse mesmo o destino.
Não se sabe como, o pequeno pedaço humano, pálido, ofegante,
chorou.
Não foi dessa vez.
Como seria?
Passados trinta e poucos anos, a palavra ainda estava lá:
talvez.
O meio.
O barco a esmo à procura de nada. Qualquer porto, qualquer
ilha, qualquer lugar seria um destino.
Talvez a noite passada não fosse tão triste se estrelas
habitassem o céu.
A chuva fria, os trovões assustadores mostravam que talvez a
vida fosse isso: a busca incessante pelo silêncio.
Não aprendeu em tantos anos muita coisa sobre as pessoas.
Ficou preso nos segundos de um afogamento. Num mundo
solitário de um útero que oferecia conforto e perigo ao mesmo tempo.
Em seu casulo mental nunca entendeu a pretensão de
relacionamentos nem a falta de liberdade a que as pessoas se sujeitam.
A sociedade talvez exista para que úteros não sejam
rompidos, deixados pra trás.
O mundo é seu, mas como abraçá-lo sem se perder em si mesmo?
Tudo é muito confuso agora. Assim como tudo era confuso em
outros tempos.
Ser livre é coisa muito séria.
Talvez esse seja o momento de não se fazer mais escolhas,
deixar o ventre rumo ao desconhecido, entregar-se sem esperar.
Bom dia, sol.
Rafael Freitas
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