Podia ser um domingo.
Talvez fosse.
Sei que era um desses dias imóveis, de céu amarelo, sem
brisa, sem ar.
As ruas em silêncio.
Só se ouviam sussurros, passos lentos, arrastados.
Como num velório, pessoas se reuniam atônitas e tristes
ao mesmo tempo.
Um choro lento, sem soluços, porém profundo.
Ninguém ousava tentar explicar aquele fim trágico, aquela
trajetória meteórica.
Era domingo.
Alguém ligou a televisão em algum lugar. Podiam-se ouvir
risos de auditório e músicas sertanejas. A diversão programada não desiste nem
em meio a tanta tristeza.
Cheiro de cravos, de velas.
O cheiro do fim.
Nem um discurso inflamado de hipocrisia conseguiria
enganar os corações.
A televisão ao longe trocou o canal. Passava futebol.
De repente, como num susto, um vendaval fez folhas secas
voarem, uma pequena agitação atingiu a todos.
Alguém começou a gritar palavras de ordem, anunciando o
apocalipse de João.
O vento não cessou.
A televisão gritava gol.
Era domingo.
Era um velório.
Em meio às pessoas atônitas e tristes ao mesmo tempo,
estava ali, no chão, sem as pompas das cerimônias fúnebres, uma bandeira desbotada, queimada pelo sol, com toda sua ordem e progresso.
O céu era amarelo.
Os sorrisos verdes, dentes podres.
A pele azul de fome.
Havia muito a temer.
Rafael Freitas
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