São rascunhos, pálidos e
amarelados pelo tempo.
Guardados mais na memória
que na velha caixa de um presente antigo.
As embalagens, quase sempre,
duram mais que os presentes.
Os textos não publicados,
não enviados, não digeridos parecem ter implorado o anonimato. Transparecem
outros tempos, um outro autor que não eu.
“Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas”
O Pessoa estava certo.
O Pessoa estava certo.
As
pessoas que amam são tão ridículas quanto o que escrevem.
Pessoa
e as pessoas. O autor e os anônimos.
Criei
pseudônimos em outros tempos.
Tinha
medo que descobrissem minha farsa ou minha perversão, quem sabe meus anseios,
minhas fraquezas.
Ninguém
conheceu meus codinomes: as cartas nunca foram enviadas.
Agora,
estas mesmas cartas, fazem parte de um museu particular, um passado escrito à
mão, borrado, sem subjetividade, em versos pobres.
Num
mundo em prosa qualquer rima é soneto.
Já
me senti poeta, Pessoa, hoje me sinto mais um, qualquer pessoa.
A
vida é concisa, obtusa, sem rima, em prosa curta.
Talvez
o tempo explique minha mudança.
Um
tempo sem relógios, marcado por estações, por outonos infindáveis.
Lembro
das nebulosas de Carina, dos boleros de Ravel, dos ciclos eternos, sem começo
ou fim.
Não
sei ainda qual foi a primeira carta escrita. Não tem datas, locais, nem horários.
Tem apenas uma caligrafia à tinta que se modificou com o passar dos anos.
Vão
todas para o lixo. O lixo raso da memória.
Pode
ser que nunca mais escreva um poema de amor, pode ser que nunca mais ame, pode
ser que nunca mais.
Sem
remetente. Sem selo. Sem envelope.
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