As dores de cabeça aumentam
a cada dia.
Aquelas dores alucinantes, alucinógenas, halógenas.
Luzes. Imagens distorcidas, deformadas.
Dor. Dormência.
Não sentir as mãos é algo assustador.
Assusta. Dor.
Os remédios, comprimidos coloridos, muitos miligramas. Sem
efeito. Rarefeito.
Pareciam ser placebo. Maisena e pó de vidro. Drogas da
modernidade.
Moderna. Idade.
Idade das trevas, noite longa, sonora. Qualquer ruído,
por menor que fosse, era orquestra desafinada, sem maestro.
Levantou-se ainda trêmulo. Sem rumo. Insone, insípido,
insosso. Engoliu um gole d’água, dois comprimidos verdes e vomitou.
As noites cada vez mais curtas. Os dias cada vez mais
longos. A vida cada vez mais breve. Os amores cada vez mais efêmeros.
Efêmeros. Transitórios. Passageiros.
Ainda lia alguns velhos livros. Mircea, Kundera, outras
besteiras.
Aprendeu a cozinhar bem. Pra ninguém comer.
Estudou história, filosofia, música. Escreveu textos
nunca lidos. Compôs canções nunca ouvidas. Monólogos de mesa de bar.
Criou forças. Tentou criar dois filhos. Tentou criar
coragem.
Uma vida de tentativas. Criação de expectativas. Nunca
criou um cachorro.
Banho longo. Menos dor. Mais resistente aos remédios.
Mesmo caminho, mesma trilha, mesmos pombos, mesmos
problemas.
Ainda são sete da manhã. Sem Cristo na janela.
À espera. Esperança de que a dor não aumente, não volte,
desapareça.
Caso volte, que seja passageira como as coisas que
pareciam boas.
Coisas boas que deixaram seus rastros, como lesmas à
procura de sombra.
Lá vem o sol. O sal.
Rafael Freitas
Já foi meu favorito.
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