Ficou
parado aguardando o vômito.
Os
olhos cheios d’água, vermelhos e amarelos ao mesmo tempo.
Mas
vomitar o quê?
Não
havia nada no estômago. Não conseguia comer.
A
barriga estava enorme por conta dos gases e das moedas.
Moedas
mesmo.
No
auge da loucura engoliu algumas centenas delas.
Sempre
quis assaltar um banco, como nos filmes da TV.
“Todo
mundo pro chão!! É só ficar quietinho que ninguém se machuca!! Aê filha da
puta, quer pagar de herói? Então toma!!”
Sem
capuz, sem nada, de cara limpa.
O
assalto do ano!
Mais
manchete que Brunos, Nardonis e o caralho a quatro.
Na
verdade sempre quis ser manchete.
Já
tentou vender cocaína uma vez, acabou cheirando tudo e ficou no prejuízo.
E
o pior: nenhum inquérito, nenhuma investigação, nenhuma queixa!!
Mas
ontem não resistiu: enquanto tomava a dose diária de embriagues, sentiu o
cheiro característico de bosta e pinga, típico de um viciado que pede esmolas.
Antes que qualquer palavra fosse dita, deu um soco bem no meio da fuça do
desgraçado. Caíram pedras de crack, um copo plástico cheio de cachaça e as
moedas. Muitas moedas.
“Por
que esse demônio pede, implora, enche o saco, com os bolsos cheios?”
Começou
a recolher centavo por centavo enquanto ouvia as reclamações do fedorento.
Não
deu a mínima. E de vez em quando ainda dava uns chutes na barriga do infeliz.
As
moedas estavam sujas, sem brilho algum, com a aparência de terem sido
transportadas no cu.
Engoliu
uma por uma.
A
única maneira de se sentir valorizado era tendo realmente valor. Nem que fosse
no estômago.
Pagou
a conta em notas, pediu o troco em moedas e logo foi engolindo.
Passou
no caixa vinte quatro horas, sacou o pouco dinheiro que tinha, trocou em moedas
e enfiou goela a dentro.
Não
tinha mais nenhum tostão.
Entrou
em desespero.
Não
pelas contas a pagar, nem pelo resto do mês.
Nada
disso importava mais.
Não
tinha mais moedas para engolir.
Esperou
o dia amanhecer, vendeu o carro.
Engoliu
o quanto pôde.
Vendeu
a casa.
Vendeu
o que tinha.
Roubou
a mãe.
Guardou
pra engolir depois.
Não
cabia mais nada em seu bucho rico, mas sempre é bom ter uma reserva, nunca se
sabe como será o amanhã.
Ficou
pesado demais, pensou em se exercitar para auxiliar a digestão.
Andou
alguns quarteirões, mas logo se cansou: não dormia desde a noite anterior e
estava com o corpo cheio de moedas e as mãos também.
Eram
tantos sacos cheios de moedas que pesavam algumas centenas de quilos, que ele
mesmo não sabia como estava aguentando.
Com
o corpo exausto, pensou em descansar.
Mas
descansar onde?
Não
tinha mais casa, nem carro, nem mãe... Ela logo descobriu o roubo e amaldiçoou
o filho.
Saiu
sem destino pela principal rua da cidade.
Cidade
pequena, provinciana, onde todos os caminhos levam ao mesmo lugar.
Sentiu
o suor escorrer por entre as nádegas, o que o fez pensar o quão doloroso seria
a saída das moedas que engoliu.
Mas
nada disso importava mais.
Só
queria uma sombra, água fresca e um local tranqüilo para degustar aos poucos a
grande quantidade de moedas que carregava.
A
brisa começou a ficar mais úmida e fresca e o cheiro de flores logo entupiu seu
nariz.
Estava
lá, impávido e colosso: o rio que abastecia a cidade, com sua margem arborizada
e calma.
Tudo
o que ele queria: arrastou-se por mais uns metros, aconchegou seus sacos
valiosos sob a sombra e prostrou-se para um gole daquela água abençoada.
Ao
longe um pescador observava a cena.
Tamanho
seu desespero em alcançar o rio que acabou por cair na correnteza. Tentou nadar
em vão: o peso de seu corpo era enorme, só podia afundar.
“Mas,
e minhas moedas? Minha vida está naqueles sacos!”
Depois
de um breve afogamento, surgiu uma mão que o resgatou da morte.
Foi
arrastado até a beira do rio, sem forças ou reação.
De
repente a brisa, que a princípio trazia em sua dança o aroma sutil das flores,
estuprou seu nariz com o mesmo cheiro de bosta e pinga da noite anterior.
“Não,
não pode ser ele!”
Mas
era.
Viu
o rosto ainda marcado pelos socos e pontapés de um bêbado irado.
Tentou
se mexer, mas não conseguiu.
Alguém
ganhou a noite.
Rafael Freitas
Uau. Gostei!
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