- Mãe! Mãe!
Entra correndo, pingando suor.
Respira, tenta se acalmar.
- Eu vou morrer numa sexta-feira, no
mês de abril, daqui uns 73 anos, mais ou menos.
- ?
- E quero um velório igual ao pai do
avô Felipe. Sem caixão. Deitado em cima da mesa. Sem caixão. Caixão é feio,
você não acha?
- Mas filho...
- Ah, e quero também um terno cinza
claro, igual o do avô Felipe. Camisa branca sem gravata. E não pode esquecer
que é sem sapatos. Pés descalços.
A mãe até tenta entrar na
história:
- E vai ter flores?
- Não pensei nas flores ainda. Mas eu
quero um disco dos Beatles tocando, igual o avô Felipe gostava.
- Mas você nem ouve muito Beatles.
- Quando eu ficar mais velho vou
ouvir.
- E o que vai colocar no epitáfio?
- O quê?
- O que vai escrever no seu túmulo?
- Ah!!! Um poema do Drummond ou do
Mário Quintana. Igual o avô Felipe lia pra mim. Eu gosto de poesia. Das poesias
que o avô Felipe lia.
- Qual poema?
- Ah... Pode ser aquele do passarinho.
- Eles passarão, eu passarinho...
- Todos esses que aí estão
atravancando o meu caminho! Tá vendo, mãe, eu decorei!
- Esse se chama Poeminho do Contra do
Mário Quintana.
- Eu sei.
- E pra quê essa pressa toda em
morrer? Você só tem oito anos!
- Não é pressa. Um homem prevenido
vale por dois. Avô Felipe dizia sempre isso. Sinto saudades dele.
- Eu também.
- Ele me ensinou que há poesia em
tudo. Até na morte. No velório disseram que ele morreu como um passarinho...
- E você quer morrer como um
passarinho também?
- Não. Eu quero viver. Eles passarão,
eu passarinho.
Rafael Freitas
Lindo!
ResponderExcluirSimplesmente demais... Eles passarao e eu passarinho...👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏
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