terça-feira, 5 de junho de 2012

A segunda tempestade

Para Solange.


Eu quero a solidão ordinária dos dias turbulentos
Regados à chuva e barulho de locomotivas
Trilhados pela algazarra da tempestade em telhas de zinco
Pelas pessoas falando alto sob os toldos das farmácias
Com as barras das calças molhadas e enlameadas
Com os cabelos úmidos e os óculos embaçados
Com a fumaça dos cigarros seguindo caminho contrário à rua
Com as velhas gordas de guarda-chuva que trafegam encharcadas
Pelas ruas de trânsito engarrafado e semáforos quebrados
Pela vida de querer carro e entrar no mesmo esquema
Deixar pra trás os assentos das monaretas com sacolas plásticas
E as costas das camisetas cheias de respingos de barro sujo
E o cheiro de urina e fezes de cachorros molhados e gente também
Eu quero a solidão destes dias em que ninguém se fala
Todos se odeiam ao lembrar das roupas que estão nos varais
E da casa que entra água por baixo da porta da sala e o tapete é novo
E ninguém tem tempo e todo mundo tem pressa e nada a dizer
Os acenos são quase imperceptíveis e os olhares vazios
Os dias de calor e sol e céu sem nuvens são mais dialogáveis
Mas, mesmo assim, eu quero a solidão destes dias sem sol
Hoje eu quero ser sozinho, sem assunto e em síntese conciso
Os dias cinzas não mascaram a incolor alma humana
Que em seu virar de páginas carrega em si a tempestade.

                                                                                         Rafael Freitas

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