Calmamente, Clara contempla o céu.
Hoje a lua está cheia e as estrelas parecem ofuscar a visão de tanta luz que irradiam.
Firmamento: minúscula parte do infinito que podemos apreciar de nossa prisão perpétua chamada Terra.
E Clara olha, olha...como se não existisse mais nada a seu redor. Como se os jornais não noticiassem tanta desgraça, como se não existissem tantos problemas em um mundo tão pequeno...enfim, como se o ser humano fosse algo inquebrantável, com uma armadura inviolável e como se não existissem barreiras intransponíveis e a vida fosse acessível a todos, até mesmo aos que não a valorizam.
Todos os dias Clara repete o mesmo ritual: escova os dentes após o jantar, despede-se de todos, abre a janela e fica ali...admirada com tanta beleza, beleza que acaba passando despercebida pelos espectadores das novelas da noite.
Seus pais já a levaram ao psicólogo. Os colegas da escola se afastaram. Todos achavam anormal uma pessoa tão jovem se isolar do mundo para olhar o céu.
Mas, mesmo assim, Clara passava o dia inteiro esperando aquele momento único. O céu não era o mesmo todos os dias, e ela, depois de examiná-lo em detalhes, também não.
Não entendia como a humanidade podia ser tão egoísta e desumana com um infinito de beleza e paz logo ali, sobre suas cabeças.
E Clara, calmamente, contempla o céu.
Mas o céu parece estar menor a cada dia, e as estrelas parecem estar diminuindo em quantidade.
O tempo vai se passando, e a menina começa a ver as estrelas com menos luz e a lua, sem um porquê aparente, foi perdendo o foco...
Clara desesperou-se. De uns tempos pra cá, o único momento em que não se sentia só era quando admirava o infinito, pois estava acompanhada, e muito bem acompanhada, por constelações inteiras, signos, lua, planetas, pensamentos e Deus. Naqueles instantes ela sabia que Ele estava ali a seu lado, amparando e dividindo, somando e distribuindo amor.
Como viveria se não pudesse mais presenciar tudo aquilo?
Mas, cada vez mais, Clara perdia a visão.
Ninguém sabia porquê.
O mundo de Clara foi perdendo o brilho e a cor e, infelizmente, de forma irreversível.
Escuridão. Solidão eterna e permanente.
Era impossível aceitar.
Justo Clara, a menina que acreditava num mundo melhor e que sabia que tudo seria possível se, ao invés de olhar para baixo, as pessoas olhassem para o céu e pudessem perceber o quanto somos insignificantes diante de um processo tão complexo chamado galáxia.
Pena o ser humano não ser inquebrantável e Clara não ter a armadura inviolável que sempre idealizou para todos. Esqueceu de si mesma por pensar demais em causas que uma criança não poderia mudar e, mesmo se gritasse aos quatro cantos a fórmula exata da felicidade, ninguém daria ouvidos.
Os dias foram passando rápido, Clara aproveitava cada segundo como se fosse o último. Mas, assim como o dia termina, a escuridão chegou aos seus olhos.
A menina que calmamente contemplava o céu, perdeu a luz.
Nem médicos, nem seus pais, nem orações, nem ninguém conseguiu um remédio, uma solução.
E Deus?
Não era Ele quem sempre amparava a menina que tanto admirava Suas obras?
Deus não quis reverter a situação.
Enquanto o mundo desabava ao seu redor em busca de soluções e curas milagrosas, Clara esqueceu-se da escuridão, olhou dentro de si mesma e, como que por um milagre, pôde ver todo firmamento novamente.
Era lindo! Tudo simetricamente em seu lugar. Estrelas, planetas, lua, constelações e pensamentos.
Clara descobriu que o infinito que ela tanto amava estava ali, dentro dela mesma. Ela era o infinito.
Todos os planetas e constelações eram formados pelos mesmos elementos que formaram Clara; afinal, vieram todos da mesma explosão.
E, contrariando a todas expectativas, a vida da menina que olhava estrelas não mudou...
Todos os dias Clara repete o mesmo ritual: escova os dentes após o jantar, despede-se de todos e fica admirando o céu. Só que agora é diferente...
Ela não precisa mais abrir a janela.
Rafael Freitas