quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Novos horizontes


Não ficou pedra sobre pedra.
Nenhum rastro se encontrava sob a devastação.
Tudo havia sido em vão até ali.
A fumaça cobria o horizonte, o sol estava branco, luz acinzentada, palidez de um verão amorfo.
Os caminhos percorridos até então não existiam mais.
Olhava onde havia antes uma estrada e só enxergava o fim.
Como se o passado se resumisse a passos largos deixados pelo chão.
Como se o futuro não tivesse explicação.
Os fins precisam de meios.
Não havia.
Quando não se há para onde voltar, o único caminho é o destino.
Incerto, acaso, ao léu.
“Terra à vista”, diriam os navegadores que nunca olham para trás.
Girou o corpo lentamente, na certeza de que tudo ao redor estivesse igual.
Destruição, ruína.
Cheiro de podre, de fumaça, de desesperança.
Fechou os olhos e completou a volta.
Sabia que de agora em diante sua história e tudo aquilo do que tinha certeza não significavam mais nada, além de palavras sem sentido, provas sem crime, testemunho sem fatos.
Sentiu a energia mortal da destruição.
Respirou fundo a acidez do ambiente.
Abriu os olhos lentamente.
O silêncio reinou em meio ao caos.
Nada se ouvia em quilômetros.
Uma lágrima desceu deixando um risco na poeira escura do seu rosto.
Havia uma trilha.
Estreita e cheia de curvas.
Mas havia uma trilha.
Deixou o passado em seu lugar, os caminhos largos destruídos pelo tempo.
Seguiu em frente apertando o corpo.
Abatido pela catástrofe, rumo ao desconhecido.
“Novos horizontes, se não for isso, o que será?”

Rafael Freitas



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Sobre o Bom Combate e Cachorro Quente


Não é nenhuma novidade o que se passa.
O mundo está cheio de casos assim.
Mas a certeza em forma de papel timbrado assusta.
Não muda nada e muda tudo ao mesmo tempo.
O coração está apertado. A sensação de impotência é enorme.
Com exceção dos comandantes em seus gabinetes, ninguém entra numa guerra porque quer.
Dormir em trincheiras, ao relento.
O frio na alma que só o medo é capaz de causar.
Mas há uma diferença: na guerra os soldados salvam seus corpos a qualquer preço.
Esse combate que vivo agora não tem nada a ver com a minha vida. É outra vida. Uma vida nova, despretensiosa, que não escolheu nada disso.
É estranho pensar que você daria sua própria vida para salvar outra pessoa.
Talvez esse seja o aprendizado de que tanto se falam nas igrejas, nessas rodas egoístas de oração que se encerram com amigos secretos no fim do ano.
O Bom Combate.
Engolir a própria vaidade, a dor, as lágrimas, a raiva.
Abnegação.
Os problemas, as diferenças, a crueldade da vida sempre parecem coisas fáceis de serem resolvidas na casa dos vizinhos, no mundo das outras pessoas.
Já lutaram e ainda lutam o Bom Combate por mim.
Agora é minha vez.
A fraqueza que sinto é também um tapa na cara e a cobrança incessante de que devo ser forte, devo me despir de velhos pensamentos e navegar no mar desconhecido do amor que exige muito mais do que pode oferecer.
Vai dar tudo certo. Ou não.
Mas estaremos juntos.
Enquanto o sol nascer.
Enquanto o sono não vier.
Enquanto houver mais estrelas no céu do que falta de esperança na Terra.
Vamos resistir.
Afinal, temos amigos, irmãos, sorrisos e cachorro quente com suco de uva.

Rafael Freitas


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Borboletas


Pousou uma borboleta preta na porta do guarda- roupas.
Dessas que as pintas parecem olhos que perseguem.
Asas enormes. Olhos enormes.
Olhos enormes para vê-la melhor, diria o lobo.
Talvez um mau presságio.
Sempre ouviu dizer que essas borboletas trazem em seu bater de asas coisas ruins.
Quase não dormiu essa noite.
Não sabia se por calor ou frio. Clima estranho.
Os olhos da borboleta não lhe saíam do pensamento.
Aqueles olhos gigantes.
Dessa vez ela não quis ficar.
Bailou no vento e se foi.
Como fazem as borboletas.
Debateu-se até conseguir fuga, escoamento.
Quem sabe amanhã volte.
Talvez fique.
Provavelmente esteja apenas se debatendo em busca de liberdade.
E queira voar por aí com os olhos abertos em suas asas.
Amanhece.

Rafael Freitas