segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Em seu lugar

Uma porta aberta
Coisa estranha
Pra quem vive
Na prisão

Sol nascendo
Iluminando
Noite escura
Que se foi

Mas em seu ciclo
Tudo volta
Noite velha
Novas grades

Tudo está em seu lugar
Como deveria ser.

                                                  Rafael Freitas 


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Tempestade

Foi uma chuva incessante
Tempestade de emoções
Talvez a água que faltava
Pra algo florescer
Molhei com lágrimas e soluços
O árido e solitário deserto
Que vive desde sempre em mim
Desde sempre, enfim
Tenho boas causas
Maus hábitos talvez
E poucos bens ou maus
Mas o sabor do sal
Não vou mais esquecer
Pra poder sempre lembrar
Que o deserto do mundo
Também habita em mim.

                                      Rafael Freitas


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Pode ser simples

Quero de novo ir embora pra não mais voltar
Quero café com torradas, bolachas com chá
Quero dizer minhas verdades passíveis de erro
Quero cantar vida nova seguindo um enterro
Quero suas fotos num quadro no quarto ao lado
Não quero dividir meu espaço com tempo passado
Quero minhas meias sujas no mesmo lugar
Quero as coisas inteiras pra despedaçar
Não quero acordar chateado por ter nada feito
Quero a sala arrumada e paz no meu peito
A grama que não me agrada não vou mais regar
A merda do cão do vizinho não vou mais limpar
Quero poder pensar longe sem ter viajado
Quero viagem com malas, não embriagado
Sou passageiro que passa e não pode parar
E sigo olhando a vidraça sem me desviar
Deixo meus olhos molhados no porta-retrato
Deixo minha pele, meus órgãos, minha história, meu tato.

                                                                     Rafael Freitas



domingo, 23 de outubro de 2011

Novo mundo

Meu coração acordou engraçado
Com nariz de palhaço e tudo
E meu peito virou picadeiro
De artistas cegos e surdos

Meu bom dia acordou atrasado
Boca seca e rosto ossudo
Dia longo e perfurado
Por espetos pontiagudos

Tarde cinza de tempo nublado
Olhos secos, semblante sisudo
Um sorriso meio amarelado
Um caminho de pés de veludo

Noite alta, relógio parado
Verão frio de vento absurdo
Agonia de algo não terminado
Recomeço de um novo mundo

                                                              Rafael Freitas


quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Eu

Revirando gavetas do tempo
Encontrei bem lá no fundo
Empoeirado e sem vida
Algo que me pertenceu há tempos:
Ali no canto esquecido estava eu
Mas não este eu sem graça de hoje
Este eu que tem mágoa
Tristeza, ressaca e dor no peito
Não este eu com fobia,
Medo do escuro e da luz
Este eu que esconde o que sente
E sente o que não quer sentir
Que braveja, que espanta, que afasta
Que destrói, que desfaz, subtrai
Que não perdoa, não esquece e não lembra
Corre, se esconde, mente, morde, briga,
Xinga, cospe, sangra, sua, fede, mija,
Perturba, assombra, amedronta
Não, não, não, não!
O que estava lá era um eu que sinto saudade
Um eu que me recordo com lágrimas nos olhos
Que não tem a devassidão do mundo em si
Não tem emprego, nem contas, nem nada
Tem planos, vontade e fé
Não sei se em deus ou na vida ou nas pessoas
Em algo mesmo desconhecido, esperança
Um eu que solta pipa, corre na rua e na terra
Que não tem nojo de um aperto de mão
Que sonha em ser rock star e canta
No banheiro, no caminho da escola, na aula
Planta mudas no quintal de casa
Sobe em telhados, faz arte de arteiro, não de artista
Que estuda pensando no futuro
Que sonha em mudar o mundo com palavras.
Esse eu agora não me serve.
Não acredito que seja o fim
Um pouco de esperança sobrou.
Mas hoje é tudo diferente
Não quero estragar meu eu do passado
Com minhas imperfeições de agora.
Vou tirar a poeira e guarda-lo melhor
Para usar na melhor situação
No melhor momento
No melhor de mim.

                                                          Rafael Freitas

sábado, 8 de outubro de 2011

Minha casa

Eu odeio essa casa.

Esses cabelos

Esses olhos, essa boca

Essas orelhas grandes

Esse nariz, esse tronco

Esse resto.

Minha alma não merece

Essa morada sem graça

Sem vida, sem nada.

Já tentei pintar as paredes

Os braços, as pernas

As costas, as coxas

Mas a tinta só pode se ver

De dentro pra fora

De longe.

Já tentei lavar a morada

Sal grosso, sabão

Ervas santas e cremes

Mas a limpeza só se sente

De dentro pra fora

O olfato.

Já expus essa pele ao sol

Ao sereno, ao relento

E nada me adiantou.

Procurei faxineiras

Mulheres, besteiras

E a casa, a casa

A casa só se empoeirou.

E agora percebo sozinho

Que esse lar não é nenhum ninho

E o que é sujo

Incomoda e sobra

É o que vive sob esse teto.

                                                              Rafael Freitas

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Sexta-feira é pra você

Quero acordar bem cedo
Pra que o dia dure mais
Quero ver-te a meu lado
Com a cara linda de sexta-feira
E dizer palavras doces
Em clima de feriado.

Quero saber o início
E a hora de parar
Pra que nada seja excesso
Nada sobre, nada falte
E em tudo que preencha
Ainda exista a falta
Que necessite saciedade.

Quero tua companhia
Em botecos e bebidas fortes
Falar alto e rir à toa
Ouvir palavrões românticos
Pasmem: isso é possível
Ser filho da puta
E ainda sorrir aos montes.

                                                                          Rafael Freitas

domingo, 18 de setembro de 2011

Dionísio

Não quero dizer mais nada
Quero ouvir, eu tenho ouvidos.
Não quero encenar um texto
Quero assistir, pois tenho olhos.
Não vou compor música nova
Não tenho acordes em minhas mãos.
Não vou provar sua bebida
Quero sua língua em meu domínio.
Não vou mostrar minha aspereza
Eu me permito, eu tenho tato.
Não vou mais perder meu tempo
O tempo todo tenho relógios.
Vou aceitar minha nudez
As minhas roupas não são meu corpo.
Vou penetrar em seus sentidos
Meus sentimentos sem dimensão.
Eu me permito mais um cigarro
Mais um prosecco, mais um tropeço.

Hoje eu só pago pra ver
Eu simplesmente sou platéia.

Vivas a Dionísio
Em sua casa, meu coração.

                                                                      Rafael Freitas

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Amanhã

Se for pra morrer que seja agora
Enquanto minha história produzirá saudades e não vergonha
Em meu filho e nas pessoas que amo.

Se for pra enriquecer que seja hoje
Enquanto em meu país os políticos tem um preço
E as pessoas sem valor também.

Se for pra entristecer que seja nesse momento
Em que a felicidade não tem um valor real pra mim
E o que é real não me contenta
E o que me contenta não me seduz.

Se for pra ser sozinho que seja agora ou daqui a pouco
Enquanto minha presença ainda não é sentida
Enquanto sua presença não é por mim sentida
Enquanto nossos sentidos não nos acusam.

Se for pra me calar que assim seja
Enquanto minha garganta esconde o que o peito sente
Enquanto o grito ecoa só em pensamento
E o silêncio é algo ensurdecedor.

Se for pra me arrepender que seja da poesia
Que agora escrevo sem um amanhã
E o amanhã vai me provar sem erros
Que meu engano é pura falta de encontro.

De me encontrar em algo
De me encontrar em mim.

                                                                                Rafael Freitas


quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Segunda Carta

Seus olhinhos fitavam cada movimento daquele bico enorme e colorido.
            “Olha o tucano pai!”
            Eu ali parado com a cabeça gritando vida nova. Coisa estranha essa. Você já é independente. Escolhe o sabor do sorvete, a pizzaria e o quarto onde quer dormir.
            Certamente eu sou mais indeciso e confuso.
            “Eu quero o leão!”
            “Eu quero algodão doce!”
            “Eu não preciso tomar água!”
            Nossa, como você sabe das coisas!
            Mas não se discute filosofia com crianças. Sou seu pai e pronto.
            Sua mãe e eu não estamos mais juntos como casal, mas estaremos sempre unidos como pais.
            Você é minha alegria diária e minhas saudades também.
            Seja livre. Diferente das araras e tucanos e leões e atendentes de fast food.
            Meu coração dói ao pensar na sua independência. Mas meu corpo dói pelo trabalho, minha cabeça pelas cervejas, meus pés pelos meus tênis baratos e tudo isso passa.
            Eu vou estar sempre aqui. Ou ali.
            Mas vou estar.

                                                                                                 Rafael Freitas


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Único

        As cores ainda ofuscavam a visão quando pisou o primeiro degrau da porta de saída. Esfregou os olhos como se pudesse limpá-los da claridade excessiva. Era como se um mundo novo nascesse.
À sua frente um carro esperava com os faróis e motor ligados.
Ela estava ao volante, com um sorriso claro como a manhã que despontava no horizonte.
Ele também sorriu sem esperar nada em troca.
Os últimos bêbados da noite já haviam partido.
Ele não bebeu nem cheirou, não fez nada. Queria a sobriedade para aquele momento.
A vida pode ser tão simples que até assusta às vezes.
O amor assusta quem nunca amou.
O momento era único.
Decidiu partir.
Deixou o riso derreter em sua face.
Ela continuava ao volante.
Ele foi embora sozinho.
       
                                                                         Rafael Freitas

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Amor é outra coisa*


"O amor não ilumina o seu caminho. O nome disso é poste. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que não tem tamanho. O nome disso é anão. O amor é outra coisa. 
O amor não é um contentamento descontente. O nome disso é transtorno bipolar. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que supera barreiras. O nome disso é gol de falta. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que custa caro, acaba rápido e pode ser substituído pelo álcool. O nome disso é gasolina. Amor é outra coisa. 
O amor não faz você perder a vontade de comer. O nome disso é calcinha bege. O amor é outra coisa. 
O amor não faz coisas que até Deus duvida. O nome disso é Lady Gaga. O amor é outra coisa. 
O amor não traça o seu destino. O nome disso é GPS. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que sobrevive a qualquer luta ou obstáculo. O nome disso é Chuck Norris. O amor é outra coisa. 
O amor não te impressiona com loucuras em público. O nome disso é esquizofrenia. O amor é outra coisa. 
O amor não te dá forças para superar os obstáculos. O nome disso é tração nas quatro rodas. O amor é outra coisa. 
O amor não te deixa mais frágil e sensível. O nome disso é osteoporose. O amor é outra coisa. 
O amor não mostra o que realmente existe dentro de você. O nome disso é endoscopia. O amor é outra coisa. 
O amor não atrai os opostos. O nome disse é imã. Amor é outra coisa 
O amor não é aquilo que dura para sempre. Isso é Sarney e Hebe Camargo. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que surge do nada e em pouco tempo está mandando em você. Isso é Dilma Rousseff. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que te deixa sem fôlego. O nome disso é asma. O amor é outra coisa 
O amor não te faz subir pelas paredes. O nome disso é alpinismo. O amor é outra coisa. 
O amor não libera a criança que existe dentro de você. O nome disso é cesariana. O amor é outra coisa. 
O amor não faz você sentir-se especial. O nome disso é deficiência física. O amor é outra coisa. 
O amor não te faz ouvir sinos enquanto beija. O nome disso é pegação atrás da igreja. O amor é outra coisa. 
O amor não te deixa quente e te leva pra cama. O nome disso é dengue. O amor é outra coisa. 
O amor não te deixa molinho e manhoso. O nome disso é Rivotril. O amor é outra coisa. 
O amor não te deixa temporariamente cego. O nome disso é spray de pimenta. O amor é outra coisa. 
O amor não faz brotar uma nova pessoa dentro de você. O nome disso é gravidez. O amor é outra coisa. 
O amor não faz você ouvir o próprio coração. O nome disso é estetoscópio. O amor é outra coisa. 
O amor não te faz ficar simpático e amoroso de repente. O nome disso é Natal. O amor é outra coisa. 
O amor não liberta. O nome disso é ALVARÁ DE SOLTURA. Amor é outra coisa. 
O amor não te faz ver o mundo cor-de-rosa. O nome disso é baitolice. O amor é outra coisa. 
O amor não te faz ver tudo com outros olhos. O nome disso é transplante. O amor é outra coisa. 
O amor não faz você se sentir sempre acompanhado. O nome disso é encosto. O amor é outra coisa. 
O amor não te leva por caminhos tortuosos e te assusta de vez em quando. O nome disso é trem fantasma. O amor é outra coisa. 
O amor não faz você chorar sem motivos. O nome disso é cebola. O amor é outra coisa. 
O amor não nos faz perder a noção do tempo. O nome disso é horário de verão. O amor é outra coisa. 
O amor não faz você se sentir em outro mundo. O nome disso é autismo. O amor é outra coisa. 
O amor não é uma coisa que te tira do chão e te transporta para lugares onde você nunca esteve. O nome disso é avião. O amor é outra coisa. 
O amor não é uma coisa que te ilumina no escuro, te leva até as estrelas, te traz de volta e desaparece sem deixar vestígios. O nome disso é abdução.O amor é outra coisa. 
O amor não é uma coisa que te pega de surpresa, te transforma em refém e toma de assalto tudo o que você tem. O nome disso é ladrão.O amor é outra coisa. 
O amor não é uma coisa que te embrulha o estômago e deixa marcas por onde passa. O nome disso é diarréia.O amor é outra coisa. 
O amor não é uma coisa que você guarda lá dentro e não deixa ninguém tocar e nem ver. O nome disso vibrador. O amor é outra coisa 
O amor não é uma coisa que chega sorrateira e pula o muro quando o dia amanhece. O nome disso é gato. O amor é outra coisa. 
O amor não é algo que foi perdido e quando é reencontrado pode mudar tudo o que está a sua frente. O nome disso é controle remoto.O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que te deixa sem fôlego. O nome disso é asma. O amor é outra coisa 
O amor não te faz subir pelas paredes. O nome disso é alpinismo. O amor é outra coisa. 
O amor não fabrica os melhores sonhos. O nome disso é delicatessen. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que te faz perder o foco. O nome disso é miopia. O amor é outra coisa 
O amor não é aquilo que te deixa maluco, te fazendo provar várias posições na cama. Isso é insônia. O amor é outra coisa. 
O amor não faz os feios ficarem pessoas maravilhosas. O nome disso é dinheiro. O amor é outra coisa. 
O amor não é o que o homem faz na cama e leva a mulher à loucura. O nome disso é esquecer a toalha molhada. Amor é outra coisa. 
O amor não te proporciona aquela cavalgada que marca na lembrança. O nome disso é carrossel. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que toca as pessoas lá no fundo. O nome disso é exame de próstata. O amor é outra coisa. 
O amor não te deixa mais leve. O nome disso é regime. O amor é outra coisa. 
O amor não faz a gente enlouquecer, não faz a gente dizer coisas pra depois se arrepender. Isso é vodka. O amor é outra coisa. 
O amor não faz você passar horas conversando no telefone. O nome disso é promoção da TIM. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que te faz sentir calor, perder o ar ou sentir o chão sumir. O nome disso é Indonésia. Amor é outra coisa. 
O amor não cria um laço de dependência entre duas pessoas. O nome disso é frescobol. O amor é outra coisa. 
O amor não faz as piores coisas da vida parecerem suportáveis. O nome disso é Revista Sexy de Geisy Arruda. O amor é outra coisa. 
O amor não te faz viver o lado bom da vida. O nome disso é Coca-Cola. O amor é outra coisa 
O amor não é aquilo que quando acaba, você percebe que toda dedicação foi em vão. O nome disso é vestibular. O amor é outra coisa. 
O amor não te ajuda a esquecer o sofrimento que ficou pra trás. O nome disso é KY. O amor é outra coisa. 
O amor não te dá água na boca. O nome disso é bebedouro. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que começa na boca e acaba na cama. O nome disso é Lexotan. Amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que, quando chega, você reza para que nunca tenha fim. Isso é férias. Amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que aparece de repente e vai embora sem dizer adeus.Isso é o Mestre dos Magos. Amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que te leva a um vai e vem de forças e gemidos. O nome disso é Tênis. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que te alegra mas depois te decepciona. Isso é feijão em pote de sorvete. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que entra na sua vida e muda tudo de lugar. O nome disso é empregada nova. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que te deixa bobo, rindo à toa. O nome disso é maconha. O amor é outra coisa. 
O amor não é quando, em meio a tanta gente, você finalmente encontra a pessoa certa. O nome disso é Wally. O amor é outra coisa. 
O amor não é aquilo que gruda em você mas quando vai embora arranca lágrimas. O nome disso é cera quente. O amor é outra coisa."



quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Enamorar-te


Eu deixo aqui o e um mais simples porem possante e puro olhar de saudade,
sem modos, sem rótulos e sem pedir licença.

Por Obsequio Rara flor eu lhe suplico.

Tenra, matiz de cores sempre-viva.

Deixe-me deleitar em seus braços e abraços,
E no néctar mais doce que emana de seu ser,
afogar essa angústia, e flanar a
algum lugar onde os deuses assim quiserem.

                                                                              Jaque Monteiro

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Pássaros


“É melhor conhecê-lo que assistir ao rasante de um pássaro imundo. Os pássaros não têm a opção de sujar-se”.
Acordei, coração disparado e com aquele gosto imbecil de cigarros e gim na boca.
A noite foi longa e os planos também.
Sempre acordo desistindo de tudo e trago o arrependimento como minha bíblia de bolso.
“Os pássaros não têm a opção de sujar-se”.
Será que alguém me disse isso na noite anterior, ou será que o nojo irremediável por pombas me fez sentir na pele aquela imundície contagiante?
Não sei. 
“É melhor conhecê-lo que assistir ao rasante de um pássaro imundo”.
Quem será que me conhece ou quem eu conheço sem saber?
É estranho acordar com frases feitas na cabeça. 
Aquelas pombas no calçadão, a sensação de estar cercado por elas, que a qualquer momento poderiam invadir meu corpo com seus bicos sujos de lixo. 
As pessoas são como pombas, eu acho. Inclusive eu. 
Eu tenho a opção de me limpar.
E continuo sujo.

                                                                                               Rafael Freitas


segunda-feira, 25 de julho de 2011

A palavra muda

Vantuiluriel.
Nunca entendera porque sua mãe lhe dera esse nome tão incomum. Não, pensando melhor, esse era um nome bizarro. Por que não se chamava João, Carlos ou Ernesto como todos os outros ao invés de Vantuiluriel? Sempre fora motivo de piadas por isso. Aliás, os óculos grotescos que usava também não ajudavam muito.
Com o passar dos anos acabou se entrincheirando dentro de si. Não queria que rissem dele, por isso nunca falava ou olhava para os outros. Andava cabisbaixo, sempre, como que procurando algo há muito perdido. Não pronunciava palavra e ninguém conhecia o som da sua voz. A verdade é que a vida tornava-se menos encantadora a cada minuto e não importava o quão feliz devesse estar, simplesmente não conseguia. Queria viver uma vida breve e sem sofrimento, assim como as borboletas. Simplesmente ser!
Vantuiluriel não tinha má aparência, mas seu semblante triste encobria sua beleza. Seus olhos negros, dotados de uma melancolia extrema, e seus ombros encurvados pelo peso da amargura tiravam-lhe o encanto juvenil.
No começo todos se sentiam desafiados por aquele simples garoto. Por que tanta infelicidade? E com o decorrer do tempo, quando Vantuiluriel passava, as pessoas sentiam apenas um leve sopro de ar. Já não o notavam. Morrera, enfim.
Mas se deu que um dia Vantuiluriel teve uma visão divina. Algo que o fez esquecer seus problemas e desejar viver séculos.
Sofia.
Seus pés foram a única coisa capaz de fazer aqueles melancólicos olhos negros erguerem-se pela primeira vez em doze anos. Aquela era a visão mais doce que já tivera ou imaginara poder ter. Os olhos de Sofia faiscavam e a paz emanava de seu sorriso. Vantuiluriel foi tomado por um sentimento novo, o qual não podia explicar e que nunca havia sentido. Amor!
Passou anos a observá-la, notando cada mínimo detalhe: o modo como ela enrolava uma mecha de cabelo quando estava distraída, sua preferência por sorvete de morango com chantilly, seu olhar absorto quando lia. Foram anos alimentando-se daquela visão, sonhando... Seu peito sufocava e por mais que quisesse se prevenir não pôde evitar o único desfecho para aquela situação. Seu coração clamava descompassadamente por revelação. Correria o risco e falaria a Sofia que a amava.
Encontrou-a sozinha numa mesa da biblioteca. Sofia adorava livros. Fora lá que a vira pela primeira vez há cinco anos. Sentou-se frente a ela e a fitou. Por segundos, Sofia correspondeu-lhe o olhar e depois o voltou para o livro que lia. Romeu e Julieta.
Vantuiluriel diria as palavras que o atormentavam. Para os outros sempre falta uma palavra, mas para ele não faltaria nenhuma. Sempre fora diferente. Sentiu as letras juntarem-se em sua cabeça, passarem por seu coração e se dirigirem para a garganta.
Era agora, iria dizê-las. De repente ele engasgou-se. Sofia e os outros ao redor se assustaram.
Correria.
Vantuiluriel ficou roxo e o ar extinguiu-se em seus pulmões. O coração, que antes batia por Sofia, parou. Morreu. E sem dizer palavra. Se para todos falta uma palavra para ele não foi diferente. “Ah, Sofia! Como eu...” Foi a primeira vez em seus vinte e dois anos de existência que se sentiu igual aos outros e uma felicidade incomum preencheu o seu ser. Finalmente era igual, mesmo se chamando Vantuiluriel e não Carlos, João, Ernesto, César...

Danieli Elias



segunda-feira, 4 de julho de 2011

São Paulo não tem mar

Paulistano não tem mar.
Tem bares cheios de bêbados, drogados e prostitutas,
Calçadas fedendo mijo e esgoto a céu aberto.
Mercados que cheiram podre,
Feiras que exalam peixe.
Museus que abrigam elites,
Semáforos com carros blindados.
Avenidas que recebem paradas
De gays, vadias e maconheiros
E também acoitam bad boys de classe alta
Cães preconceituosos
Que no fundo são aquilo que odeiam.
Ruas de trânsito intenso
Casa de desabrigados, bandidos e policiais.
Tem o marco zero do estado
Cercado de pastores e enganadores profissionais,
Travestis e nordestinas sem sorte
Que vendem um corpo vazio, objeto.
Promessas de emprego na 7 de abril
Pra venda de filtros e planos dentários.
Passarelas cheias de merda,
Litros de pinga num sol de rachar
Boates de gente bonita
Em que o pobre é sempre garçom.
Ônibus e trens lotados
Onde se inala suor e peidos horríveis.
Tem rua de instrumentos musicais,
Mas também tem a rua do crack,
Dos viados, das putas e dos imbecis.
Vista grossa das autoridades
E denúncias vazias de uma cidade em alerta.
Piada de mau gosto
Dar-se bem na capital.
Com tudo isso, se chove

O caos

Tsunami.

São Paulo não tem mar.
Graças a deuS.

                                                                    Rafael Freitas


terça-feira, 7 de junho de 2011

Metade

Hoje, separei-me de mim mesmo.
Metade ficou e a outra partiu.
Metade de mim foi ao banheiro
Enquanto a outra metade comia torradas com chá.
Noite fria é assim mesmo.
Uma foi à geladeira
A outra ao supermercado.
Uma à farmácia
A outra ao bar.
Tenho a impressão que metade de mim
Nunca mais encontrará a outra metade.
Nunca mais serei eu mesmo
Ao menos por inteiro.
Serei metade.
O mais estranho não é ser metade,
É não procurar a outra metade
Que nem sei se ainda me é.
E se me for, como eu não me sei?

                                                       Rafael Freitas

terça-feira, 24 de maio de 2011

Bolero de Ravel

Bolero de Ravel – Menalton Braff

O livro de Menalton Braff tem uma narrativa surpreendente e por vezes complicada aos leitores desatentos.
Bolero de Ravel é uma história contada por Adriano, um homem de 35 anos que ainda vive e se comporta como adolescente, apresentando sinais de insanidade em suas interpretações da realidade e na relação de amor e ódio que mantém com a irmã Laura, advogada bem sucedida que ao seguir os passos do pai vê no irmão mais velho uma pessoa infeliz e inútil.
Adriano se vê sozinho após a morte dos pais em um acidente, o que o faz ficar trancado na escuridão da casa recém desabitada da família, misturando em sua mente o passado e o presente, invenção e realidade.
A mãe, protetora do filho frente à tirania do pai, apresentou-lhe o prazer da música, tocando ao piano e presenteando o filho com o disco Bolero de Maurice Ravel. Para Adriano a única coisa que o ligava à realidade era o Bolero, que muitas vezes acabava antes de seus pensamentos.
As mãos peludas do pai criaram a imagem de “aranhas” habilidosas em Adriano que, ao decidir abandonar os estudos, optou por ser ninguém perante o pai, que sempre viu o filho como invejoso frente às conquistas da irmã.
Após o choque da morte dos pais, Laura dispensa a empregada da casa e deixa o irmão sobrevivendo dos restos da geladeira e de alguns trocados que pegou da gaveta da mãe. Sem tempo disponível para dar atenção aos devaneios de Adriano, Laura decide vender a casa da família e encontra grande resistência por parte do irmão solitário.
Junto aos dramas familiares, Adriano narra sua primeira experiência sexual com Marcela; a distância que se fez entre ele e seu melhor amigo Durval, com quem passava horas caminhando e discutindo filosoficamente as coisas da vida, além da visão de um cão amarelo que brinca com as gotas do mar e da visita que fez à um velório de criança, acontecimentos que não se pode identificar como verdadeiros no mundo ou em sua mente.

Resenha de Rafael Freitas.

A leitura vale a pena!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Inútil

Hoje acordei para me sentir inútil.
Mais inútil do que aquelas socialites
Que fazem panetones e ovos de páscoa
E distribuem entre os funcionários do marido.
Toda essa inutilidade tem um motivo real:
Por que perder tanto tempo
Com tanta coisa sem sentido?
Malditos burocratas com óculos de muitos graus
E dezenas de pós-graduações!
Sejam sempre úteis
Para que a máquina da mentira e da hipocrisia
Nunca pare de rodar.


                                                                                 Rafael Freitas


sexta-feira, 1 de abril de 2011

Tardes de domingo

Domingo.
O dia mais desprezível da semana.
Não por ser o primeiro dia
Nem por ser véspera de segunda-feira.
O silêncio nas (das) ruas também é bom.
Feira livre, passeio com a família.
Mas e aqueles programinhas de TV!
Uns filhos da puta
Exploram a desgraça humana
E lucram muito com isso.
Meu vizinho liga seu televisor no volume máximo.
Destrói meu começo de semana.
Crianças gritando músicas desesperadamente
E o auditório aplaudindo.
Homens e mulheres se humilhando em provas ridículas
Por conta de uns trocados
E o auditório aplaudindo.
Filhos querendo provar quem tem o melhor pai
E o galinheiro aplaudindo.
Só estão a salvo
A Inezita e o Rolando.
Gostaria que todos esses aproveitadores
Empresários do fracasso
Fossem apresentar programas no inferno.
Certamente o capeta
Que adora a desgraça
Desligaria a televisão.
Não posso mata-los
Tenho mulher e filhos.
Dou um tiro na tela
E alivio minha sede se sangue
E de tardes de domingo silenciosas.

                                                                                        Rafael Freitas


quinta-feira, 3 de março de 2011

Big Brother Brasil, um Programa Imbecil

Curtir o Pedro Bial
E sentir tanta alegria
É sinal de que você
O mau-gosto aprecia
Dá valor ao que é banal
É preguiçoso mental
E adora baixaria.


Há muito tempo não vejo
Um programa tão ‘fuleiro’
Produzido pela Globo
Visando Ibope e dinheiro
Que além de alienar
Vai por certo atrofiar
A mente do brasileiro.


Me refiro ao brasileiro
Que está em formação
E precisa evoluir
Através da Educação
Mas se torna um refém
Iletrado, ‘zé-ninguém’
Um escravo da ilusão.


Em frente à televisão
Lá está toda a família
Longe da realidade
Onde a bobagem fervilha
Não sabendo essa gente
Desprovida e inocente
Desta enorme ‘armadilha’.




Cuidado, Pedro Bial
Chega de esculhambação
Respeite o trabalhador
Dessa sofrida Nação
Deixe de chamar de heróis
Essas girls e esses boys
Que têm cara de bundão.


O seu pai e a sua mãe,
Querido Pedro Bial,
São verdadeiros heróis
E merecem nosso aval
Pois tiveram que lutar
Pra manter e te educar
Com esforço especial.


Muitos já se sentem mal
Com seu discurso vazio.
Pessoas inteligentes
Se enchem de calafrio
Porque quando você fala
A sua palavra é bala
A ferir o nosso brio.


Um país como Brasil
Carente de educação
Precisa de gente grande
Para dar boa lição
Mas você na rede Globo
Faz esse papel de bobo
Enganando a Nação.


Respeite, Pedro Bienal
Nosso povo brasileiro
Que acorda de madrugada
E trabalha o dia inteiro
Dar muito duro, anda rouco
Paga impostos, ganha pouco:
Povo HERÓI, povo guerreiro.


Enquanto a sociedade
Neste momento atual
Se preocupa com a crise
Econômica e social
Você precisa entender
Que queremos aprender
Algo sério – não banal.


Esse programa da Globo
Vem nos mostrar sem engano
Que tudo que ali ocorre
Parece um zoológico humano
Onde impera a esperteza
A malandragem, a baixeza:
Um cenário sub-humano.


A moral e a inteligência
Não são mais valorizadas.
Os “heróis” protagonizam
Um mundo de palhaçadas
Sem critério e sem ética
Em que vaidade e estética
São muito mais que louvadas.


Não se vê força poética
Nem projeto educativo.
Um mar de vulgaridade
Já tornou-se imperativo.
O que se vê realmente
É um programa deprimente
Sem nenhum objetivo.


Talvez haja objetivo
“professor”, Pedro Bial
O que vocês tão querendo
É injetar o banal
Deseducando o Brasil
Nesse Big Brother vil
De lavagem cerebral.


Isso é um desserviço
Mal exemplo à juventude
Que precisa de esperança
Educação e atitude
Porém a mediocridade
Unida à banalidade
Faz com que ninguém estude.


É grande o constrangimento
De pessoas confinadas
Num espaço luxuoso
Curtindo todas baladas:
Corpos “belos” na piscina
A gastar adrenalina:
Nesse mar de palhaçadas.


Se a intenção da Globo
É de nos “emburrecer”
Deixando o povo demente
Refém do seu poder:
Pois saiba que a exceção
(Amantes da educação)
Vai contestar a valer.


A você, Pedro Bial
Um mercador da ilusão
Junto a poderosa Globo
Que conduz nossa Nação
Eu lhe peço esse favor:
Reflita no seu labor
E escute seu coração.


E vocês caros irmãos
Que estão nessa cegueira
Não façam mais ligações
Apoiando essa besteira.
Não dêem sua grana à Globo
Isso é papel de bobo:
Fujam dessa baboseira.


E quando chegar ao fim
Desse Big Brother vil
Que em nada contribui
Para o povo varonil
Ninguém vai sentir saudade:
Quem lucra é a sociedade
Do nosso querido Brasil.


E saiba, caro leitor
Que nós somos os culpados
Porque sai do nosso bolso
Esses milhões desejados
Que são ligações diárias
Bastante desnecessárias
Pra esses desocupados.


A loja do BBB
Vendendo só porcaria
Enganando muita gente
Que logo se contagia
Com tanta futilidade
Um mar de vulgaridade
Que nunca terá valia.


Chega de vulgaridade
E apelo sexual.
Não somos só futebol,
baixaria e carnaval.
Queremos Educação
E também evolução
No mundo espiritual.


Cadê a cidadania
Dos nossos educadores
Dos alunos, dos políticos
Poetas, trabalhadores?
Seremos sempre enganados
e vamos ficar calados
diante de enganadores?


Alertando ao Bial:
Reveja logo esse equívoco
Reaja à força do mal…
Eleve o seu coração
Tomando uma decisão
Ou então: siga, animal…

Autor: Antonio Barreto
Cordelista natural de Santa Bárbara-BA, residente em Salvador.

O texto está disponível no blog: http://marcohaurelio.blogspot.com/

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

PENSANDO NA MORTE paranóia cardiopata de um viciado

Sentado no vaso sanitário do Braseiro na Gávea
Terrificado
Penso, logo desisto.
A qualquer hora, vou morrer.
Vou ter uma apoplexia
Derrame de merda
Derramo bosta
Aqui, eu sei.
Flatulências
Não posso mais com doce
Meu bestunto tá derretendo
Não consigo respirar
Sinto dores no coração
Compressão
Premonição
Vou morrer de uma parada cardíaca
Ataque de cardiopatia
300.000 batimentos por segundo
Tô nem aí
Bato outra carreira neste banheiro nojento
Onde estou, ensaio sensações.
Pavor, não nego, tenho medo da morte.
Engulo...
... Um ecstasy
Minha testa pinga
Ouço zumbidos
Zumbis
Fantasmas
A passagem pro além eu comprei nas bocas da vida
No trem da extinção, meu sombrio embarcou.
Embaçou, meu olho dói.
Ocularmente, pressionado.
Sinto, a visão vai explodir.
A foice vai me partir
Enfarte
Não
Eu não
Socorro!
Minha cachimônia lateja
Dores
Pontadas
Náuseas
Vômitos
Por fim, a morte vem me buscar.
Não realizei nada
Ninguém me ouviu
Não ouvi ninguém
Sei que vou morrer
Vai ser agora
Não levarei saudades
Vou embora.

                                                                           PabloTreuffar

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

2011

Num mundo onde todos eram surdos as pessoas se entendiam com apenas um olhar.

Onde todos eram cegos, o entendimento era através do toque.

Finalmente, num mundo onde todos ouviam e enxergavam, ninguém podia se entender por ouvir e ver coisas diferentes um do outro.

                                                                                           Rafael Freitas