sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O que realmente importa?

Não saber exatamente o que se quer
O amor, o lanche, a cerveja, a mulher
Talvez não seja de todo ruim
A dor, a cobrança, meu pâncreas, meus rins
Diz pra mim: o que realmente importa?

A água em excesso transborda e se perde
O amor em excesso, a vida inerte
Esperando a eterna reciprocidade
Que talvez não se encontre em pé de igualdade
Diz pra mim: o que realmente importa?



Rafael Freitas


quinta-feira, 16 de junho de 2016

O engolidor de moedas

            Ficou parado aguardando o vômito.
            Os olhos cheios d’água, vermelhos e amarelos ao mesmo tempo.
            Mas vomitar o quê?
            Não havia nada no estômago. Não conseguia comer.
            A barriga estava enorme por conta dos gases e das moedas.
            Moedas mesmo.
            No auge da loucura engoliu algumas centenas delas.
            Sempre quis assaltar um banco, como nos filmes da TV.
            “Todo mundo pro chão!! É só ficar quietinho que ninguém se machuca!! Aê filha da puta, quer pagar de herói? Então toma!!”
            Sem capuz, sem nada, de cara limpa.
            O assalto do ano!
            Mais manchete que Brunos, Nardonis e o caralho a quatro.
            Na verdade sempre quis ser manchete.
            Já tentou vender cocaína uma vez, acabou cheirando tudo e ficou no prejuízo.
            E o pior: nenhum inquérito, nenhuma investigação, nenhuma queixa!!
            Mas ontem não resistiu: enquanto tomava a dose diária de embriagues, sentiu o cheiro característico de bosta e pinga, típico de um viciado que pede esmolas. Antes que qualquer palavra fosse dita, deu um soco bem no meio da fuça do desgraçado. Caíram pedras de crack, um copo plástico cheio de cachaça e as moedas. Muitas moedas.
            “Por que esse demônio pede, implora, enche o saco, com os bolsos cheios?”
            Começou a recolher centavo por centavo enquanto ouvia as reclamações do fedorento.
            Não deu a mínima. E de vez em quando ainda dava uns chutes na barriga do infeliz.
            As moedas estavam sujas, sem brilho algum, com a aparência de terem sido transportadas no cu.
            Engoliu uma por uma.
            A única maneira de se sentir valorizado era tendo realmente valor. Nem que fosse no estômago.
            Pagou a conta em notas, pediu o troco em moedas e logo foi engolindo.
            Passou no caixa vinte quatro horas, sacou o pouco dinheiro que tinha, trocou em moedas e enfiou goela a dentro.
            Não tinha mais nenhum tostão.
            Entrou em desespero.
            Não pelas contas a pagar, nem pelo resto do mês.
            Nada disso importava mais.
            Não tinha mais moedas para engolir.
            Esperou o dia amanhecer, vendeu o carro.
            Engoliu o quanto pôde.
            Vendeu a casa.
            Vendeu o que tinha.
            Roubou a mãe.
            Guardou pra engolir depois.
            Não cabia mais nada em seu bucho rico, mas sempre é bom ter uma reserva, nunca se sabe como será o amanhã.
            Ficou pesado demais, pensou em se exercitar para auxiliar a digestão.
            Andou alguns quarteirões, mas logo se cansou: não dormia desde a noite anterior e estava com o corpo cheio de moedas e as mãos também.
            Eram tantos sacos cheios de moedas que pesavam algumas centenas de quilos, que ele mesmo não sabia como estava aguentando.
            Com o corpo exausto, pensou em descansar.
            Mas descansar onde?
            Não tinha mais casa, nem carro, nem mãe... Ela logo descobriu o roubo e amaldiçoou o filho.
            Saiu sem destino pela principal rua da cidade.
            Cidade pequena, provinciana, onde todos os caminhos levam ao mesmo lugar.
            Sentiu o suor escorrer por entre as nádegas, o que o fez pensar o quão doloroso seria a saída das moedas que engoliu.
            Mas nada disso importava mais.
            Só queria uma sombra, água fresca e um local tranqüilo para degustar aos poucos a grande quantidade de moedas que carregava.
            A brisa começou a ficar mais úmida e fresca e o cheiro de flores logo entupiu seu nariz.
            Estava lá, impávido e colosso: o rio que abastecia a cidade, com sua margem arborizada e calma.
            Tudo o que ele queria: arrastou-se por mais uns metros, aconchegou seus sacos valiosos sob a sombra e prostrou-se para um gole daquela água abençoada.
            Ao longe um pescador observava a cena.
            Tamanho seu desespero em alcançar o rio que acabou por cair na correnteza. Tentou nadar em vão: o peso de seu corpo era enorme, só podia afundar.
            “Mas, e minhas moedas? Minha vida está naqueles sacos!”
            Depois de um breve afogamento, surgiu uma mão que o resgatou da morte.
            Foi arrastado até a beira do rio, sem forças ou reação.
            De repente a brisa, que a princípio trazia em sua dança o aroma sutil das flores, estuprou seu nariz com o mesmo cheiro de bosta e pinga da noite anterior.
            “Não, não pode ser ele!”
            Mas era.
            Viu o rosto ainda marcado pelos socos e pontapés de um bêbado irado.
            Tentou se mexer, mas não conseguiu.
            Alguém ganhou a noite.

                                                   Rafael Freitas


           

           
           
           

            

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Dias sem sol

            Imagine uma vida inteira baseada em mentiras.
            Uma existência que nega toda sua essência em um simples piscar de olhos.
            É estranho pensar no fato de não conhecermos a nós mesmos, embora essa seja uma questão eterna e quase sempre com respostas indefinidas.
            Nosso herói vive uma novela em que a trama é sua vida e o antagonista ele mesmo. A personagem principal é a mentira.
            George tinha o fracasso como destino.
            Negro, pobre, abandonado pela mãe em uma lata de lixo, o pobre desgraçado só contemplava a escuridão em seu ridículo horizonte.
            Fora premiado uma única vez na vida: sofria de uma doença raríssima que provocava lentamente a falta de melanina em sua pele e, a simples ausência de luz solar por mais de setenta e duas horas, seria extremamente fatal, causando falência múltipla de órgãos.
            Como uma doença dessas seria um prêmio?
            Quem adotaria um negro, pobre, achado numa lata de lixo?
            A rara doença de George deu a ele a rara chance de um negro tornar-se branco.
            Essa foi sua sorte: negrinho hoje, branquinho amanhã! Pelo menos era o que diziam as responsáveis pela casa de adoção.
            Toda vez que alguém chegava, logo se ouvia: “Coitado! Mas essas manchinhas negras logo vão sumir! O médico garantiu!”.
            E foi assim que George conseguiu uma família. E uma família bem exótica por sinal.
            Um casal de alemães vindos de Berlim, que decidiram morar em Copacabana depois de se encantarem com o lugar.
            Diziam adorar o povo brasileiro: “No Brasil tudo é meio desorganizado, mas o povo consegue ser feliz!”, exclamavam com sotaque carregado.
            Decidiram adotar uma criança tipicamente brasileira e construir família na terra do futebol e do café. Ninguém melhor para o cargo de filho da família Weber do que George: brasileirinho hoje, alemão amanhã.
            E, pela imensa sorte que a doença trouxera, George estudou nos melhores colégios do Rio de Janeiro, aprendeu alemão e francês com os pais poliglotas, fez dança contemporânea e piano no Teatro Municipal e, aos dezoito anos de idade, finalmente, tornou-se branco.
            George adorava sua doença. Embora seu cabelo ainda fosse pixaim, sua pele desmentia sua descendência. Era adorado pelo círculo de amizades da família e até aceitava de vez em quando ser alvo de chacotas. Seus pais o amavam, a sociedade o amava e, claro, Deus o amava, caso contrário não o presentearia com tão nobre doença!
            Quem diria: George, o negrinho sem futuro da lata de lixo, era agora George Weber, cheio de pretensões e planos para o futuro, amor a Deus e à família, sem medos nem inimigos, cuja única fragilidade residia numa eventual falta de sol. Não havia nada a temer: nunca faltou sol no Brasil, quem dirá no Rio de Janeiro.
            Como George era feliz!
            Todos os dias a família Weber se reunia em frente ao aparelho de televisão, assistiam aos noticiários e falavam sobre o dia de cada um. O ano era 1983, e as ditaduras militares na América Latina eram a cena principal: conflitos armados, censura, exílio e assassinatos, tudo muito natural para os Weber, que vieram para o Brasil fugindo da loucura nazista vinte e três anos antes.
            Senhor Weber era um alemão rígido na criação do filho e no tratamento com a esposa Dora; sofrera muito com a guerra e ainda carregava em sua mente imagens terríveis que lhe rendiam pesadelos monstruosos e suores noturnos.
            Todos os dias o casal se trancafiava no quarto, ligava a velha sonata com o hino nacional alemão e conversava por horas, sem uma única gargalhada, longe dos olhares dos vizinhos e dos ouvidos de George, que imaginava aquilo como uma tradição alemã, embora se sentisse excluído e curioso com aquele momento íntimo dos pais.
            O que se passava ali? O que eles tanto escondiam de George?
            George nunca perguntou. Senhor Weber sempre deixou claro que aqueles momentos não interessavam ao agregado.
            Depois da descoberta da bomba atômica o mundo nunca mais foi o mesmo, o poder se concentrou nas mãos dos mais fortes e pelo aparelho de TV a família pôde assistir a desconfiança do mundo diante de testes nucleares que possivelmente aconteciam em alto mar.
            Senhor Weber afirmava que isso era coisa dos americanos imbecis e que esses testes eram para ter a certeza de que uma única bomba poderia destruir o mundo de uma só vez.
            A rotina da família Weber continuava na mesma, embora o clima de tensão aumentasse a cada noticiário.
            Os ânimos pesados não estavam apenas na família de George, mas também em todo mundo. As pessoas não saiam mais de casa, os alimentos começaram a ficar escassos e os vilarejos mais tranquilos passaram a ser cinza e sem vida.
            Tudo transcorria em clima de medo e desconfiança, até que realmente o pior aconteceu: às quinze horas e alguns minutos, do dia 14 de março de 1985, um tremor de terra percorreu o mundo todo. Prédios foram destruídos, cidades inteiras viraram pó.
            A desconfiança do mundo era verdadeira: em um teste nuclear fortíssimo o planeta se deslocou de seu eixo e, simplesmente, deixou de translar.
            Metade do globo estacionou na mais aterrorizante sombra, enquanto a outra metade tornou-se ressequida e desértica à total exposição solar.
            Não havia previsão alguma de quando a situação voltaria ao normal: o fim do mundo era só uma questão de tempo.
            O terror alastrou-se por todo o planeta, pessoas eram assassinadas, casas e lojas eram saqueadas e profetas surgiam às centenas. E, para todo o azar de George, sua metade do mundo estacionou na escuridão eterna.
            Não! George não sobreviveria sem luz solar! Pobre George!
            O jovem Weber ficou desesperado, mas ainda podia contar com a ajuda e conforto de sua família, afinal seus pais o amavam.
Senhor Weber estava em pé à janela ao lado de sua esposa quando George se aproximou e num gesto de apelo se abraçou ao casal. Seu pai, na mais absoluta frieza, retirou a mão de George do ombro e o encarou com rigidez e ódio.
            Sua família era uma farsa e com o fim cada vez mais próximo ninguém precisava mais mentir.
            George viu a suástica nas mãos do pai e quis acreditar que aquilo fosse uma brincadeira de mau gosto.
            Não era.
            O casal Weber detestava o Brasil o tanto quanto detestava o filho adotivo. Tudo era um disfarce perfeito e planejado: a exemplo de seu grande amigo Josef Mengele, nazistas colaboradores de Hitler, após passarem por diversos países em fuga, os Weber escolheram o país do carnaval como reduto definitivo e, como complemento do disfarce, adotaram um negrinho. Afinal, ninguém desconfiaria de um casal tão bom.
            As reuniões do casal eram uma adoração ao Führer e uma renovação dos votos de lealdade feitos ao Reich durante a guerra.
            George foi empurrado para fora de casa sem explicações. Agora era somente ele. Precisava de sol, estava fraco e com o coração em pedaços. Perdera em um só dia pai, mãe, a certeza de ser amado e de possuir um futuro.
            George não tinha mais nada. Nada. Só lhe restava sua fé em Deus e a mínima esperança de um nascer de sol.
            Como único reduto de um desgraçado, George recorreu à igreja. Aos prantos se dirigiu ao altar e se ajoelhou perante Jesus crucificado.
            Rezou e pediu a cura para sua doença, pediu uma família nova, pediu que tudo fosse um pesadelo. O padre o recebeu, ouviu seus problemas e ordenou que se conformasse: tudo era vontade do Senhor.
            Como tanta desgraça podia ser vontade do senhor?!
            George não podia contar nem mesmo com Deus.
            Sentia náuseas e frio, estava totalmente sem direção. Saiu do templo da fé e perambulou pela cidade. Já se passavam doze horas sem que George sentisse a luz solar.
            Na escuridão, vândalos tomavam conta das ruas, o inferno se alastrava em plena praia de Copacabana. Sexo, drogas e violência percorriam todo o planeta, mas para o ex Weber somente a luz solar importava. Outras vidas não importavam. Outras famílias não importavam. O egoísmo tomava conta do espírito de George e era o único sentimento que o impulsionava.
            George, enfurecido, abordou o primeiro carro que passava e sentiu prazer em espancar o motorista e as crianças que ocupavam o veículo. Respirou fundo, sentou-se ao volante e partiu em disparada rumo às terras ensolaradas, único lugar possível de sua sobrevivência.
            Dirigia sentido aeroporto, sentido à salvação, sentido à vida. Dirigia.
            Tudo que lhe fora negado durante sua curta história transbordava à sua frente, como uma cascata de fogos num réveillon.
            Assistia àquele filme proibido e se deliciava com tantos absurdos plausíveis, acessíveis e inegáveis. Aquilo sim era viver!
            Deus não fazia mais sentido. Por que se comprometer tanto com um ser desconhecido e cheio de moralidades?
            George não entendia. Nunca entendeu. Não quis mais acreditar.
            O Ser Supremo já não existia em seu voo de emergência para o Oriente. Nem família, nem crenças, nem esperança.
            O pouso de chegada ainda era escuro como a decolagem e a fraqueza, juntamente com a certeza da morte, assolavam George com toda força.
            Quarenta e sete horas já haviam passado.
            Não bastava mudar de continente. Era preciso buscar o sol.
            Quase sem cor, sem vida e sem coragem, George viu um mundo entregue ao caos e à barbárie. Chamou um táxi.
            Taxistas ainda precisam de dinheiro mesmo que seja o fim do mundo.
            “Levem-me à luz solar, à vida, ao futuro!” e a resposta era sempre: “Bandeira dois.”.
            Pagou em Euro, Dólar, Real... pagou pela sobrevivência.
            Foi levado até uma cordilheira, onde diziam estar a fronteira com o dia, o tão esperado dia!
            A escalada era por sua conta.
            Sessenta e oito horas.
            George, exímio burguês inútil, tinha que escalar os dias a mais, a vida perfeita, o fruto da luta! Tudo isso sozinho!
            Era frio. Muito frio. Gelo.
            Sem equipamento, sem força, sem coragem e sem motivos, George se pôs a subir rumo à luz.
            Reflexão.
            Setenta horas.
            Primeiro uma mão, depois um pé... sangue nos dedos e dor. Ah, como doía seu corpo, sua cabeça, sua memória!
            Pra quê tudo isso? Todo esse sofrimento?
            Seu corpo se dilacerou durante a queda e seus restos se uniram à parede de montanhas em forma de gelo.
            Não tinha mais motivos: Deus, família, verdades, mentiras.
            Não tinha nada.
            George não quis mais ser ator.
            Por ironia morreu branco, caucasiano e puro.
            Geneticamente Weber.
            Duas horas depois, sem nenhum motivo aparente, a Terra voltou a girar e o sol cumpriu seu papel.
            Luz, luz, luz...
            Um novo dia para todos.

                                                                Rafael Freitas 23/05/2009

           

            

sexta-feira, 29 de abril de 2016

7 - Cabalística carta a Théo

Ando meio sem palavras.
Meio preocupado com coisas que não posso resolver.
Esse país, talvez esse mundo, não é digno de almas como a sua.
Impedimento, cassação, massacre na Síria, mataram crianças.
Crianças! Como podem fazer isso!
Crianças como você!
É seu aniversário.
Há sete anos a primavera em minha vida se fez presente em abril.
É uma pena eu estar sem palavras.
Temos, eu e você, todo amor do mundo.
Você já lê, escreve, desenha, canta, joga futebol, nada, ouve rock e gosta de Mamonas.
“A bazuca anal da pomba é o fiofó?”. Grande constatação.
A única certeza que eu TALVEZ tenha é que somos ETs.
Um dia, se Deus quiser, eu e você, de mãos dadas, voltaremos pra casa.
A cada dia mais meu amor por você aumenta (como se isso fosse possível de tanto amor que sinto).
Seja aqui ou em outra galáxia.
Seja onde for.
Continuaremos nossa luta contra a obviedade.
Amo você, meu pequeno Sayajin.
Gabba Gabba Hey!

                                                 

                           Rafael Freitas






terça-feira, 22 de março de 2016

De tanto pensar

Foi de tanto pensar em você
Foi de tanto pensar
Que escrevi essa canção
Para lhe presentear

Ao ver em seus olhos espelho
Refletindo os olhos meus
Penso em como sou pequeno
E não sei dizer adeus

Minha cor favorita
Se confunde aos braços seus
Seus cabelos de fita
Se enrolaram em vinil meu

Foi de tanto pensar em você
Foi de tanto pensar
Que escrevi essa canção
Para lhe presentear


                                                  Rafael Freitas


quinta-feira, 3 de março de 2016

O amor!

Depois de passado o tempo
E levado o vento sua ingratidão
Depois de tanta espera
Tanta quimera e solidão
Depois de tanta chatice
Tanta burrice sem intenção
Depois de uma noite escura
E tanta secura em meu coração
                            
Só sobrou o amor

Eu que cantei sozinho
O mesmo hino fora do tom
E eu que chorei demais
Até pensei que sofrer é bom
E a trilha sonora em minha vitrola
Era blues então
O que ficou pra trás hoje tanto faz
Em minha imensidão

Só sobrou o amor

Hoje sou mesmo livre
É assim que vive um sonhador
Não vou pensar em ter
Esse sentimento dominador
De tudo que tive antes
Só me interessa o que sobrou

Só sobrou o amor


                                          Rafael Freitas


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Carnaval

                  Talvez a beleza me remeta a uma tristeza leve.
                Uma tristeza boa em ser sentida. O umedecer do olhar.
                Uma quase alegria no entristecer.
                Sinto-me assim quando alguma coisa ou alguém se desprende de sua casca e mostra ao mundo o quanto se pode ser belo.
                Não me refiro à beleza requintada dos renascentistas, nem à beleza rebuscada dos pichadores.
                Não me refiro à beleza (que certamente existe) dos carros de luxo, das mansões impossíveis (em minha vida), dos chalés suntuosos na paisagem exuberante das serras.
                É difícil até mesmo definir o que tento dizer agora.
                Essa tristeza alegre e doce talvez possa se chamar amor.
                A beleza está nos olhos e não nas coisas. Amamos mais o desejo que o objeto.
                Aguardo sua presença. Aguardo seu olhar. Sinto-me feliz em poder esperar.
                Sinto-me triste por esperar.
                Por não saber lidar com o belo, talvez me aborreça sempre.
                Por não saber lidar com a simplicidade, arrume tanta confusão.
                Estou triste e feliz. Não sei há quantas horas, não sei por quanto tempo.
               

                Que venha o carnaval!

                                                                                    Rafael Freitas