sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Lesmas à procura de sombra

As dores de cabeça aumentam a cada dia.
            Aquelas dores alucinantes, alucinógenas, halógenas. Luzes. Imagens distorcidas, deformadas.
            Dor. Dormência.
            Não sentir as mãos é algo assustador.
            Assusta. Dor.
            Os remédios, comprimidos coloridos, muitos miligramas. Sem efeito. Rarefeito.
            Pareciam ser placebo. Maisena e pó de vidro. Drogas da modernidade.
            Moderna. Idade.
            Idade das trevas, noite longa, sonora. Qualquer ruído, por menor que fosse, era orquestra desafinada, sem maestro.
            Levantou-se ainda trêmulo. Sem rumo. Insone, insípido, insosso. Engoliu um gole d’água, dois comprimidos verdes e vomitou.
            As noites cada vez mais curtas. Os dias cada vez mais longos. A vida cada vez mais breve. Os amores cada vez mais efêmeros.
            Efêmeros. Transitórios. Passageiros.
            Ainda lia alguns velhos livros. Mircea, Kundera, outras besteiras.
            Aprendeu a cozinhar bem. Pra ninguém comer.
            Estudou história, filosofia, música. Escreveu textos nunca lidos. Compôs canções nunca ouvidas. Monólogos de mesa de bar.
            Criou forças. Tentou criar dois filhos. Tentou criar coragem.
            Uma vida de tentativas. Criação de expectativas. Nunca criou um cachorro.
            Banho longo. Menos dor. Mais resistente aos remédios.
            Mesmo caminho, mesma trilha, mesmos pombos, mesmos problemas.
            Ainda são sete da manhã. Sem Cristo na janela.
            À espera. Esperança de que a dor não aumente, não volte, desapareça.
            Caso volte, que seja passageira como as coisas que pareciam boas.
            Coisas boas que deixaram seus rastros, como lesmas à procura de sombra.
            Lá vem o sol. O sal.


                                                               Rafael Freitas


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Ventos do outono

A contradição dos fins de tarde
É o horizonte não dizer nada
É não se ver os mesmos olhos
Que há pouco tempo eram só meus

A eterna esperança vaga
Da mudança repentina
De um dia sermos algo
Mesmo sem nunca sermos um

Quero ser em seu horizonte
O fim de tarde amarelo
Silencioso, quente e triste
Uma tristeza leve, infinita

Como os ventos do outono

                                                 Rafael Freitas