terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O poeta

O poeta é um desalmado
Quase sempre desarmado
Sem chance, sem defesa
Solidão em pó lhe cobre a mesa
Cobre-lhe a alma a lama
Embaça os olhos, apaga a chama
Apaga o sol, fecha o horizonte
Escurece então, intolerante
E sofre só
Somente sofre.




Rafael Freitas


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Sou um menino

Ainda sou um menino
Sem posses, sem dono
Sem sono ou destino

Mas não sou mais aquele menino
Sem medo, sem credo
Comprido e franzino

Quantos meninos ei de ser
Negando a velhice precoce
Negando o catarro e a tosse
Negando o entardecer.

                                       Rafael Freitas



terça-feira, 18 de novembro de 2014

O filho pródigo

Não sou prodígio, sou pródigo.
Aquele que perdeu tudo e pôs tudo a perder.
Nesta vida, em outras vidas, toda vida.
Sou o filho que não presta, que não orgulha, que não se inveja.
Sou o irmão desmiolado que não sabe em qual lado está.
Sou aquele, sou aquilo, sou apelo.
O galanteio das putas tristes.
O relinchar dos bêbados sem nome.
O sucumbir da peste negra.
Sou absorto, meio aborto, feto feio.
Bucho aberto, choro mirrado em meio a nada.
Mas não tenho o belo olfato da coisa de Süskind.
Nem sou o bicho de Bandeira.
Sou sem bandeira, sem pátria, sem páreo.
Perdi as asas rumo ao sol.
Estou perdido, sem leste.
Cá estou, preso em mim mesmo.
Enfim, sós!

                                              Rafael Freitas


terça-feira, 23 de setembro de 2014

As cartas que (não) escrevi

São rascunhos, pálidos e amarelados pelo tempo.
Guardados mais na memória que na velha caixa de um presente antigo.
As embalagens, quase sempre, duram mais que os presentes.
Os textos não publicados, não enviados, não digeridos parecem ter implorado o anonimato. Transparecem outros tempos, um outro autor que não eu.

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas”
O Pessoa estava certo.
As pessoas que amam são tão ridículas quanto o que escrevem.
Pessoa e as pessoas. O autor e os anônimos.
Criei pseudônimos em outros tempos.
Tinha medo que descobrissem minha farsa ou minha perversão, quem sabe meus anseios, minhas fraquezas.
Ninguém conheceu meus codinomes: as cartas nunca foram enviadas.
Agora, estas mesmas cartas, fazem parte de um museu particular, um passado escrito à mão, borrado, sem subjetividade, em versos pobres.
Num mundo em prosa qualquer rima é soneto.
Já me senti poeta, Pessoa, hoje me sinto mais um, qualquer pessoa.
A vida é concisa, obtusa, sem rima, em prosa curta.
Talvez o tempo explique minha mudança.
Um tempo sem relógios, marcado por estações, por outonos infindáveis.
Lembro das nebulosas de Carina, dos boleros de Ravel, dos ciclos eternos, sem começo ou fim.
Não sei ainda qual foi a primeira carta escrita. Não tem datas, locais, nem horários. Tem apenas uma caligrafia à tinta que se modificou com o passar dos anos.
Vão todas para o lixo. O lixo raso da memória.
Pode ser que nunca mais escreva um poema de amor, pode ser que nunca mais ame, pode ser que nunca mais.
Sem remetente. Sem selo. Sem envelope.

                                                           Rafael Freitas


terça-feira, 26 de agosto de 2014

Sidarta, meio confuso

Novamente os olhos se abriram.
Não foi desta vez. Talvez não seja breve. Talvez não seja nunca.
A eternidade é a busca que não quer alcançar. Não quer.
Outros querem. Nomes, placas, cadernos de visita, saudades de alguém.
Os olhos se abriram remelentos, secos, vermelhos.
Olharam ao redor sem grandes visões. Um quarto, um armário de portas abertas, uma TV com o pior dos programas matinais.
Pode ser que tenha superado o sentimento triste que a solidão traz.
Não se sente mais só.
Não faz questão de companhia.
Talvez o tempo, a idade, os desastres, os enganos não tolerem bruxismo, divagações, respirações ofegantes de outra pessoa.
Sempre dorme enquanto ronca. Não incomoda a si mesmo.
As horas correm, os prazeres diminuem.
Sabedoria pode ser apenas ser. Meio Sidarta, meio confuso.
Ainda existem cervejas, bares que nunca fecham, alguns amigos bons, cigarros e bitter tônica.
Já é hora do trabalho. Melhor trocar as roupas, tirar estas remelas, esquecer velhas mazelas, dar bom dia às Cinderelas.
A vida é boa, cansativa, enfadonha, porém boa.
O que tiver de ser, mesmo que nunca seja, já é alguma coisa.


Rafael Freitas


quarta-feira, 30 de julho de 2014

Como não quero

Quantas pessoas viram esta tatuagem?
Este desenho, meio antigo, meio incolor.
Talvez pelo mesmo ângulo que eu, talvez em outros tempos.
Quantas pessoas se perderam neste olhar?
Certamente não como eu. Por minha insistência em não me perder.
A perdição, agora, não me é bem vinda.
Não preciso nem posso nem devo me perder.
Já perdi o caminho as chaves o rumo muitas vezes.
Nesta vida, em outras vidas. Nestas bocas, em outras bocas.
Tatuagens novas virão.
Em sua pele branca, em minha pele incolor.
Tatuagens são pra sempre, alguns desencontros também.
Preciso de mais encontros sem hora marcada, sem esperança.
Não quero horas pra jantares nem bares nem lares.
Quero tudo. Assim como não quero.


                                                         Rafael Freitas


quinta-feira, 29 de maio de 2014

As mulheres de Henry

para C. Bukowski

Loiras, ruivas
Morenas, mulatas
Gordas, magras
Intelectuais, culturetes
Analfabetas, incorrigíveis
Bêbadas, anônimas
Famosas, promissoras
Apenas algo em comum:
A claridade no olhar.
Olhos azuis ou cor de mel
Castanhos, verdes ou raiados
Sempre luminosos, vivos.
Talvez por medo da escuridão
Talvez pela insistência em ver além
Talvez pelos espelhos d’água
Mas sempre claros.
O único olhar escuro
Aqueles olhos pequenos
Que disseram menos verdades
Deixaram um amor eterno:
Um filho pra sempre lindo.
A busca por olhares
Olhos iguais ao céu
Olhos iguais aos seus
Parece não acabar
Nem na literatura escolhida
Nem nas ruas da vida
Nem na cachaça sorvida
Nem nos problemas com rima.
Ah! As mulheres de Henry!

                                             Rafael Freitas

quarta-feira, 21 de maio de 2014

O fim da festa

Ontem aparei a grama.
A cor do portão mudou.
A bananeira, depois de um longo tempo, novamente floresceu.
Tenho alguma fixação neste jardim.
Não é lindo, nem tão florido, mas disponho meu tempo à alguns cuidados.
Cuidados mínimos, eu sei, mas que me afastam deste mundo tão cheio de réplicas.
Não nasci para este lugar.
Deve ser por isso minha resistência ao choro nos primeiros instantes, minha sede insaciável, meu afogamento em goles.
Não devia ter ficado.
Não sei por que ainda espero o fim da festa.
Aqueles finais onde as mulheres mais bonitas já desbotaram a maquiagem, onde os galãs mais idiotas já embebedaram seus curtos vocabulários.
O fim da festa.
Eu moro muito longe e sozinho e mesmo assim incomodo.
E, apesar destas mandingas espalhadas pelos cantos, apesar destes arrepios em presenças ilustres, ainda vou seguindo.
O que mudou?
Não espero mais o fim da festa.
Se soubesse antes o que sei agora, mudaria meu destino naquele dia fatídico.
Era março, era tarde.
A festa só começou.

                                                       Rafael Freitas




quarta-feira, 30 de abril de 2014

Quinta carta, quinto ano

“Eu vi uma bruxa, com uma faca na mão, passando manteiga no pão...”
Eu não vi uma bruxa. Vi seu sorriso lindo e toda sua verdade, sua emoção, talvez sua herança, minha vida.
As histórias nos pegaram. As histórias nos uniram. As histórias nos fascinam.
A mim e a você e a quem as ouve.
Que o consumismo não consiga se impor a este coração tão belo, a estes olhos meio meus e meio orientais.
Hoje vejo o quanto o tempo passa e o quanto a vida se faz história presente.
O passado não fica mais distante quando se tem um filho, um grande amor sem explicação.
Pra mim, no mais claro chavão, parece que foi ontem.
Foi ontem que fui surpreendido com o seu nascimento repentino, seu choro esporádico, seu cheiro que só eu pude gravar para sempre.
Faz cinco anos. 30 de abril de 2009.
Fico emocionado ao pensar em tudo que passamos neste curto período tão longo, tão cheio de narrativas, tão cheio de surpresas.
Fiquei muito feliz. Fiquei muito triste.
Você sempre ali, com suas cócegas, seu abraço, seu “te amo, pai”, dito rapidinho para não atrapalhar o desenho animado.
Somos Transformers da vida real, sem revisão na internet. Não temos bula, nem manual de instruções.
Vamos nos descobrindo e, mesmo em erro, tentando respeitar nossos espaços, nossas vontades.
Não tenho muito para deixar aqui. Você é quase que toda minha herança para a humanidade, que carece de corações e mentes como a sua.
Não tenho grande fortuna, nem lembrancinhas em E.V.A., nem presentes caros, nem nada.
Mas tenho minhas histórias. Tenho as histórias que construimos juntos.
Temos muitas histórias a construir.
Somos sujeito e predicado inseparáveis. Encontro sem hiato.
Este é meu presente: deixo você escrever seu próprio poema da vida.
Serei seu maior leitor e, quando necessário, um corretor ortográfico.
Cheio de críticas sempre, mas com muito amor para dar.
Parabéns meu Pequeno Ramone.

“I believe in miracles!”

                                                     Rafael Freitas


terça-feira, 29 de abril de 2014

Maria

O mar ia me trazer conchas mais belas
Pra na praia arrebentar
O mar ia me dizer palavras doces
Pra me consolar
Três Marias, noite clara, lua linda
Pra iluminar
Sete velas pra Maria, mil pedidos
De nos abençoar

Maria!

Amar ia ser mais belo sem cobrança
Por prazer de se doar
Amar ia ser mais puro se feito criança
Se soubesse amar
Mil Marias, mundo em paz, de gente simples
Como eu quero ser
Ser criança, Maria!

Maria!

                                                    Rafael Freitas


sexta-feira, 25 de abril de 2014

Isso não passa por enquanto

Enquanto isso vou lá fora
E espero o vento dissipar
Soprar a fumaça do cigarro
E meus últimos pensamentos

Enquanto isso espero o dia
Que talvez nunca virá
Você voltando em linhas tortas
De um poema sem final

Enquanto isso ainda guardo
Os presentes, os instantes
O passado nas paredes
No corredor do coração

Enquanto isso fecho os olhos
Relembro os beijos não trocados
As bocas secas, solitárias
Sem palavras, sem sorrisos

Enquanto isso não sei quando
Vou dormir sem a saudade
Sem saber a todo instante:
Isso não passa por enquanto

                                                      Rafael Freitas

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Bananeiras de jardim

A grama é a mesma desde sua partida.
Não foi aparada, nem cuidada, nem nada.
Suas pegadas devem estar ali, escondidas sob o verde pálido, sob espaços mortos.
A bananeira cresceu. Sozinha, sem atenção.
Não cortei mais os cabelos. Só faço a barba em ocasiões.
Espero ainda um momento especial, uma surpresa, que certamente não virá.
A emoção secou. Talvez a tristeza tenha me transformado em uma pessoa melhor.
Não estou mais triste. Nem feliz.
Vou seguindo.
A grama meio alta e meio morta me incomoda, mas não tenho forças para cortá-la.
Sou como a bananeira. Cresci por estes dias, sozinho, sem atenção.
Sozinho. Estou sozinho.
Tenho mais amigos, mais tempo, mais sorrisos.
Ainda assim estou sozinho.
As teias de aranha aumentaram. O tamanho das lagartixas também.
O espaço pequeno da pequena casa é enorme.
O mundo parece agora um buraco. Gigantesco e vazio.
Estou no centro, rodeado pelo vácuo da ausência.
A grama meio alta e meio morta me incomoda, mas não vou cortá-la.
Não quero ver seus passos, descobrir minhas fraquezas, perder a respiração.
Vou continuar crescendo, como as bananeiras.
Quem sabe cortar os cabelos.
Cabelos compridos são marcas do passado. Os mesmos fios que sentiram seu afago ainda estão aqui.
Começar pelos cabelos, depois a barba, depois o resto.
Surpresas nem sempre são boas. É melhor que não aconteçam.
As horas passam.
Tudo passa.
A grama, depois de aparada vai crescer de novo, assim como os cabelos e a barba.
A vida continua.
As bananeiras crescem, mesmo sozinhas e sem atenção.


                                            Rafael Freitas


sexta-feira, 4 de abril de 2014

Nascer de Sol

Nada pode ser maior
Ou mais intenso
Que o mais brando
Porém imenso
Nascer de sol

Pode não ser o momento
Não ser a hora
Frente a tanto contratempo
Não ser agora
Em resumo: pode não ser

O sol de novo nascerá
Queimando nossas retinas
Queimando a pele
Morenas Anas e Carolinas
Que se revelem!

E desta vez eu me contento
Esta ânsia que me devora
Deixei pra trás o meu lamento
Sou brisa leve que vai lá fora
Em resumo: vou mesmo assim

                                              Rafael Freitas


segunda-feira, 10 de março de 2014

O último

Viva de caribes
De wiskeys
De sorrisos

Viva a solidão
Da independência
Da soberba

Viva de Marlboros
Filtros brancos
Vela acesa

Viva de amizades
E esqueça
A si mesma

E esqueça
Se aborreça
Entristeça

Um sorriso
Amarelo
Erga a cabeça

E sufoque
A dor que sente
Ignore

Ignore a mim
Nossa existência
E chore

No travesseiro
Às escuras
No silêncio

Ninguém verá
A fortaleza
Desmurada

Em que se torna
Se transtorna
Ao anoitecer.
                                       Rafael Freitas


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Como somos

Nada melhor que um espelho
Em sua nitidez fria
Pra mostrar aos cromossomos

Neste desamor fraterno
Numa vida tão vazia
O quanto idiota somos

                                Rafael Freitas


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Jasmins

Os jasmins floriram.
A brancura de suas flores reflete a alma de quem as vê.
O perfume é inebriante, quase tóxico, quase afrodisíaco.
O calor continua o mesmo. As noites de suor no rosto, insônia e pernilongos.
Mas o mesmo eu não existe mais.
Pode ser que eu não tenha nunca novos caminhos, porém tenho novas passadas, novo gingado, nova respiração.
E, agora, tenho jasmins no caminho.
Jasmins e Damas da Noite.
Quanto perfume para pouco volume de folhas e galhos.
O que pode ser insignificante aos olhos por vezes nocauteia outros sentidos.
Tenho memória olfativa.
Cheiros me lembram pessoas, lugares, momentos.
Seu cheiro insiste em ficar.
Meu cheiro quase não me pertence. Meus pensamentos também não.
Devaneios insones ainda me dominam, mas já me controlo e cantarolo.
Sou filho da mata, caçador como meu pai. Sou filho das quedas d’água, sentimento envolto em sentimento, amor sem controle e quase sempre sem foco.
Não sei retribuir o que me é dado, fui criado assim. Não sei dividir.
Sei compreender. Perdoar. Estou sempre em aprendizado.
Começo agora.
Perfumei a alma para que os jasmins pudessem sentir meu cheiro.
Perfumei a casa para as Damas da Noite entrarem.
Espero que lembrem de mim quando por ventura eu não estiver mais aqui e meu cheiro perambular pelas ruas.
Eu ainda me lembro do seu cheiro, sempre vou lembrar.
Tenho memória. Tenho saudades. Tenho coração.

                                                                                    Rafael Freitas


sábado, 1 de fevereiro de 2014

O som da solidão

Solidão é noite mal dormida
É beco sem saída
É acordar em vão

Solidão é estar acompanhado
E não ter ninguém ao lado
Em meio à multidão

Solidão é ter prato sobre a mesa
E a plena certeza
De que não há jantar

Solidão é manter-se sempre alerta
E deixar a porta aberta
Pra quem nunca vai chegar

Solidão é em nada ver beleza
É deixar a vela acesa
Pra bruxa não voltar

Solidão é a espera de um sorriso
Caminhar entre Narcisos
E no lago se afogar

Estar sozinho é praia sem o mar
É um caminho
Que não se sabe onde vai dar

                                                    Rafael Freitas


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Queria ser Drummond

Todos juntos voarão
Eu vou sozinho

Quem sabe juntos vagarão
Eu, vagarzinho

                                       Rafael Freitas