sábado, 25 de setembro de 2010

Tempo

Não sou nenhum grande poeta mas às vezes me arrisco.
Segue uma poesia um pouco antiga. Em breve postarei um novo conto que acredito transparecer um pouco mais de amadurecimento da minha parte frente à literatura.

Grande abraço.


Tempo

Ampulheta serve para dividir o tempo em dois
O passado O presente
O que foi O que está sendo
E a gente fica Vendo o tempo passar
E o tempo vai Passando sem enroscar
No meio De nossa vida
E no meio Da ampulheta
Escorre Escorre
Escoa Escoa
E cai...
Cai
A bolsa
de valores
Junto a nossos valores
Vão chegando rugas,
dentadura, calvície ou cabelos brancos
Vão se passando os anos, os meses, os dias, as horas,
quinquênios, biênios e milênios e a gente esperando
Esperando...ganhar dinheiro, trocar de carro, ser o primeiro, ganhar no jogo,
Um bom emprego, um carro novo, ter mais sossego, tudo de novo...
E espera tanto, tanto...que acaba se esquecendo de ser feliz.

Rafael Freitas

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

De fato

Sua cama parecia uma película fina, que a qualquer momento estouraria lavando o chão com qualquer coisa parecida com fluidos. Não se movia. Qualquer movimento seria fatal.

Ficou assim por horas, até ouvir passos no corredor.

A porta se abre:

- Acorde! Vamos! Levante e vá embora!

Silêncio.

A voz continua:

- Sei que não dorme e nem dormiu a noite toda. Levante-se e vá embora!

Sem voltar o rosto:

- Embora pra onde? Por quê?

- Os motivos você conhece bem.

Sem entender o que se passava, pensa, respira fundo e pergunta novamente:

- Por quê? O que aconteceu? O que lhe disseram?

- Você sabe muito bem.

- Sei o quê?

- O que aconteceu. Sempre lhe avisei para tomar cuidado com as pessoas.

- Mas o que disseram?

- O que eu mais temia ouvir. Não esperava isso de você.

- Se não esperava foi porque não fiz.

- Tenho provas.

- Quais?

- Fotos, depoimentos e endereços. Não há como negar.

- Nem sei o que há, o que vou negar?

- Você não é homem. Por que não fala a verdade?

- Não existem verdades.

- Lá vem você de novo com filosofia. Chega de ser infantil. Quem tem ofício e responsabilidade não tem tempo de filosofar.

- Nem de existir.

- Falou o existencialista!!!

O silêncio voltou. Dessa vez mais pesado e denso. A tensão aumentou. Novamente a voz:

- Vamos! Chega de conversa. Vá embora daqui!

O sujeito levantou-se devagar. Não queria que a película se rompesse.

Pegou uma mochila desbotada embaixo da cama e começou a muni-la de roupas.

- Você não tem nada pra levar. Tudo aqui é meu! – e num grito enraivecido – Vá embora! Desgraçado! Destruidor de famílias!

- Não quero mais discussão. Vou.

- Vai pra onde, seu idiota?

- Pra casa de amigos. E, afinal, isso não lhe interessa mais.

- Amigos? Ainda acha que tem amigos?

- Sempre os tive, você sabe.

- Seus conhecidos foram seus delatores.

- Você quer que eu os odeie. Sempre quis.

Joga as fotos na cama. Realmente foram eles.

- Não me é um choque. Sempre tive o pé atrás com esses porcos.

- Então, pra onde vai agora? Ninguém lhe dá a mínima. – com desprezo – Idiota...

- Vou pra casa de desconhecidos. Alguém terá piedade.

Silêncio ensurdecedor.

A voz começa a gargalhar como em filmes de terror. Pára. Olha pro sujeito e diz entre dentes:

- Pode ficar.

- Você é um louco.

- Pode ficar. Volte a dormir.

- Por que isso?

Pausa.

- Nunca o conheci de fato.

                                                                                                 Rafael Freitas