quarta-feira, 11 de abril de 2012

Outono


Tenho certeza de que estava ali, encostado na placa de trânsito, olhando a rua e as pessoas e tentando acender um cigarro contra o vento.
Fósforos são desleais companheiros em situações como essa, mas era outono e eu sabia que o período era de ventos.
As crianças brincavam de amarelinha, com o desenho dos quadrados e números feitos com cacos de tijolos. Dizem que isso já acabou. Naquela rua não.
O asfalto tinha marcas de cimento, feitas por reformas inacabáveis em casas de quem não tem dinheiro para morar onde e como queria.
E os fósforos apagavam um a um. Só estalo e cheiro e mais nada. O cigarro na boca. O ombro na placa. Os olhos na rua e nas pessoas.
O vento estava maravilhoso como sempre.
Não conheço furacões nem tornados, por isso sempre acho o vento bem vindo. Uma pena não permitir a fumaça dos cigarros.
Eu estava ali. Naquela tarde com cheiro de infância, de coisas que deixamos por fazer em determinado momento da vida.
À direita existia um ferro velho, atrás uma praça, em frente um velho bar que vivia cheio de bêbados.
A sombra das árvores e o silêncio das pessoas nas ruas aumentavam a sensação de que aquele exato momento já tinha acontecido há tempos atrás.
Senti um calafrio, um sopro no estômago.
Tenho certeza de que estava ali, encostado na placa de trânsito, olhando a rua e as pessoas, mas o vento não permitiu que acendesse meu cigarro.
Crianças não devem fumar.
Até hoje me vejo ali no mesmo lugar. Sinto o cheiro da cachaça no bar em frente. Sinto o cheiro da pólvora dos fósforos riscados em vão.
Não sei quando me perdi.

                                                                                        Rafael Freitas

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