terça-feira, 1 de junho de 2010

Dever cumprido

Eram oito horas da manhã quando ele entrou na sala vestido com aquela roupa de procurar emprego. Tentou romper o silêncio com um sorriso:

- Bom dia, dormiu bem esta noite?

O silêncio persistiu e ele também:

- Está um dia bonito hoje, não acha? Tenho certeza que dessa vez eu consigo trabalho.

Depois de um longo suspiro ela o encarou nos olhos:

- Chegou a hora de você ir embora desta casa.

Ele fingiu não entender, deu um risinho amarelo e continuou:

- Hoje vai ser um dia bom. Tenho certeza.

- Cale a boca! Você me ouviu não é? Chegou a hora de ir embora!

- Mas por quê? De repente vem você com essa conversa de ir embora. Esta casa também é minha! Você é minha mãe, não é mesmo?!

- Esta casa é sua quando eu morrer, e que culpa tenho eu de ter colocado um verme como você no mundo? Agora a culpa é minha! Eu já dei a você esta insignificante vida e chegou o momento de você mesmo cuidar dela!

- Você não tem o mínimo de compaixão por mim? Hoje eu arrumo emprego, eu juro! Eu não tenho mais ninguém, só você mãe! Eu amo você e você também só tem a mim!

- Então eu não tenho ninguém. Você e nada são a mesma coisa. Um nada. É isso que você é, um nada!

Ele não conseguiu segurar as lágrimas. Sentou-se no canto da sala com a cabeça entre as pernas e desfez-se em prantos.

- Mãe...só mais uma chance! Só mais uma! Eu sou seu único filho!

Ela soltou uma gargalhada:

E agora você vai apelar para meu amor de mãe. Era só o que faltava. Essa coisa de que uma mãe deve amar seu filho acima de todas as coisas é balela. Eu já sustentei a coisa que eu pus no mundo até ela se tornar auto-suficiente. A minha parte de não piorar a sociedade jogando mais um no lixo eu fiz. Agora vá embora. É muito simples: você arruma seus trapinhos numa mala e vai embora. Vai cuidar da sua vida!

- Eu só queria uma chance. É muito difícil ser uma mãe como as outras?

- E você acha que todas as mães amam seus filhos e estão dispostas a sustentá-los o resto da vida? Todas cumprem o seu papel na sociedade, só isso. E tenho certeza que por obrigação.

- Por que você não me deixou para adoção? Pelo menos alguém me amaria neste mundo. Pelo menos alguém...

- Esse negócio de adoção é uma vitrine seu idiota! Esse povo que fica bancando o bonzinho o tempo todo só quer se mostrar superior aos pobres mortais. Adotam a criancinha e colocam uma empregada pra cuidar dela! Que humano, não acha?

- Tudo bem, pode mesmo ser tudo fachada, mas alguém poderia pelo menos fingir que me ama, se eu não souber a verdade o resultado será o mesmo.

- Claro, entendi. Filhinho do coração, arrume suas coisinhas e vá embora da minha casa, por favor!

- E pra onde eu vou?

Ela perdeu a paciência e berrou:

- Vá pro inferno! Suma daqui! Se é esta droga de casa que você quer um dia você terá, agora me deixe morrer em paz! Eu quero morrer em paz! Eu quero morrer em paz!

Ele se levantou meio atordoado, foi ao banheiro e vomitou todo seu ódio. Arrumou suas poucas coisas em uma mala e foi embora deixando o gás da cozinha aberto.

Ela nunca se sentiu tão feliz. Seu dever estava cumprido. Foi até a sala, acendeu um cigarro e deu uma longa tragada. Andou até a cozinha para ver de onde vinha aquele cheiro forte.

Finalmente aquela casa era dele.



Abraço a todos.


Rafael Freitas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário