segunda-feira, 12 de julho de 2010

Sem amarras

- E aí, o que sente agora?

A verdade devia ser escondida. Queria mesmo um suicídio, um abandono, uma fuga. Não queria a mesma vida. Promessas eram de cura por análise.

- Me sinto bem melhor. (Não era o que queria dizer)

- Tinha certeza. Desabafo faz bem em qualquer situação. Dois em cada cem não melhoram. Sabia que seu caso era comum.

- Você sabe mesmo das coisas.

- Sem falsa modéstia, sei mesmo.

- Sim.

- Sim o que?

- Sei lá. Sim.

O silêncio respondeu a pergunta.

- Você mente.

- Minto?

- Acho que sim. Acho não, tenho certeza.

- Que eu minto?

- Sim.

- Por quê?

- Não olhou nos meus olhos.

- Olho agora então.

- Me diga, olhando nos meus olhos, como se sente.

- Bem.

Olhos não dizem nada. Nem palavras.

Nada.

- Agora sim!

- Sim o quê?

- Verdade! Vejo verdade em você!

Nunca mentiu tão bem.

- Tenho alta?

- Ainda hoje.

- Quantas horas?

- Três ou quatro.

- Estou esperando.

Queria ver a família pela última vez. Seria incerto o futuro.

Cinco horas depois estava livre.

Adeus, bolachas e endereço.

Estava só.

Perambulou pelas ruas. A casa estava vazia.

Seria o endereço?

Era.

Sumiram. Pai, mãe, todos.

Chorou. Pensou em voltar.

Era melhor assim.

Finalmente, verdadeiramente só.

Sem choques.

Sem olhares duvidosos.

Sem amarras.

Só.

Liberdade!

Liberdade antes que tardia!

Toda prisão uterina tem como finalidade a libertação da morte.

Toda prisão hospitalar tem como finalidade o controle corporal.

Não tinha controle.

Não tinha ninguém.

O mundo todo era seu. As ruas, as esquinas, a cidade.

Sentou-se no meio fio. Rezou.

A única coisa que aprendera durante todo tratamento foi a devoção em Deus.

Deus.

A cura.

Deus.

O ópio.

Deus.

Deus.

Quem era Deus?

O homem ser semelhante a Deus era impossível.

Seria Ele insano como o viam?

Vagou alguns dias em plena liberdade.

Não encontrou família, nem amigos, nem Deus.

Nada.

Resolveu voltar aos choques.

Ensandeceu.

Enlouqueceu.

Voltou pra casa.

                                                                                      Rafael Freitas


6 comentários:

  1. Filho, muito bom esse bagulho, adorei a narrativa, é isso aí, gostado, aprovado e recomendado.

    Abço

    ResponderExcluir
  2. Olha só......
    Retornemos todos para casa...
    Já passou da hora....
    loucos....todos somos
    viva o choque...
    ou o eletrochoque
    quem sabe liga.....

    ResponderExcluir
  3. Rafael Freitas
    meu irmão....
    meu ídolo...
    sou seu fã...
    A quem tem o privilégio de ti....ou te...rsrsrs
    conhecer assim, como eu,...
    sem palavras....
    somente o sentimento...o afeto....o carinho....
    a identidade....a união....a cumplicidade...
    viva a irmandade...
    P.S. assino anônimo por ser meio....ou inteiro....retardado...não sei como asssinar de outra forma...
    renato duran....seu fã....

    ResponderExcluir