segunda-feira, 6 de setembro de 2010

De fato

Sua cama parecia uma película fina, que a qualquer momento estouraria lavando o chão com qualquer coisa parecida com fluidos. Não se movia. Qualquer movimento seria fatal.

Ficou assim por horas, até ouvir passos no corredor.

A porta se abre:

- Acorde! Vamos! Levante e vá embora!

Silêncio.

A voz continua:

- Sei que não dorme e nem dormiu a noite toda. Levante-se e vá embora!

Sem voltar o rosto:

- Embora pra onde? Por quê?

- Os motivos você conhece bem.

Sem entender o que se passava, pensa, respira fundo e pergunta novamente:

- Por quê? O que aconteceu? O que lhe disseram?

- Você sabe muito bem.

- Sei o quê?

- O que aconteceu. Sempre lhe avisei para tomar cuidado com as pessoas.

- Mas o que disseram?

- O que eu mais temia ouvir. Não esperava isso de você.

- Se não esperava foi porque não fiz.

- Tenho provas.

- Quais?

- Fotos, depoimentos e endereços. Não há como negar.

- Nem sei o que há, o que vou negar?

- Você não é homem. Por que não fala a verdade?

- Não existem verdades.

- Lá vem você de novo com filosofia. Chega de ser infantil. Quem tem ofício e responsabilidade não tem tempo de filosofar.

- Nem de existir.

- Falou o existencialista!!!

O silêncio voltou. Dessa vez mais pesado e denso. A tensão aumentou. Novamente a voz:

- Vamos! Chega de conversa. Vá embora daqui!

O sujeito levantou-se devagar. Não queria que a película se rompesse.

Pegou uma mochila desbotada embaixo da cama e começou a muni-la de roupas.

- Você não tem nada pra levar. Tudo aqui é meu! – e num grito enraivecido – Vá embora! Desgraçado! Destruidor de famílias!

- Não quero mais discussão. Vou.

- Vai pra onde, seu idiota?

- Pra casa de amigos. E, afinal, isso não lhe interessa mais.

- Amigos? Ainda acha que tem amigos?

- Sempre os tive, você sabe.

- Seus conhecidos foram seus delatores.

- Você quer que eu os odeie. Sempre quis.

Joga as fotos na cama. Realmente foram eles.

- Não me é um choque. Sempre tive o pé atrás com esses porcos.

- Então, pra onde vai agora? Ninguém lhe dá a mínima. – com desprezo – Idiota...

- Vou pra casa de desconhecidos. Alguém terá piedade.

Silêncio ensurdecedor.

A voz começa a gargalhar como em filmes de terror. Pára. Olha pro sujeito e diz entre dentes:

- Pode ficar.

- Você é um louco.

- Pode ficar. Volte a dormir.

- Por que isso?

Pausa.

- Nunca o conheci de fato.

                                                                                                 Rafael Freitas

2 comentários:

  1. Boa garota, cada vez melhor. abço.

    Pablo Treuffar

    http://pablotreuffar.blogspot.com/

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  2. Muito boa essa! Ninguém se conhece de fatO! rsrsrrs

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