segunda-feira, 11 de junho de 2018

Muito a temer


Podia ser um domingo.
Talvez fosse.
Sei que era um desses dias imóveis, de céu amarelo, sem brisa, sem ar.
As ruas em silêncio.
Só se ouviam sussurros, passos lentos, arrastados.
Como num velório, pessoas se reuniam atônitas e tristes ao mesmo tempo.
Um choro lento, sem soluços, porém profundo.
Ninguém ousava tentar explicar aquele fim trágico, aquela trajetória meteórica.
Era domingo.
Alguém ligou a televisão em algum lugar. Podiam-se ouvir risos de auditório e músicas sertanejas. A diversão programada não desiste nem em meio a tanta tristeza.
Cheiro de cravos, de velas.
O cheiro do fim.
Nem um discurso inflamado de hipocrisia conseguiria enganar os corações.
A televisão ao longe trocou o canal. Passava futebol.
De repente, como num susto, um vendaval fez folhas secas voarem, uma pequena agitação atingiu a todos.
Alguém começou a gritar palavras de ordem, anunciando o apocalipse de João.
O vento não cessou.
A televisão gritava gol.
Era domingo.
Era um velório.
Em meio às pessoas atônitas e tristes ao mesmo tempo, estava ali, no chão, sem as pompas das cerimônias fúnebres, uma bandeira desbotada, queimada pelo sol, com toda sua ordem e progresso.
O céu era amarelo.
Os sorrisos verdes, dentes podres.
A pele azul de fome.
Havia muito a temer.


Rafael Freitas





Nenhum comentário:

Postar um comentário