Era dia 21.
Era feriado.
Já não fazia diferença aquela
homenagem prestada a um herói nacional em forma de dia de descanso.
Quase tudo, em vinte e um
dias, não fazia mais sentido.
Os carros eram desnecessários
sem poder trafegar, entupindo semáforos, também desnecessários.
Era estranho como as coisas
sem valor de outrora ganharam novos significados.
Encontrou alguns discos de
vinil empoeirados no canto do quarto de despejo.
Todos talvez se sentissem como
aqueles discos de vinil: empoeirados pelos cantos dos quartos de despejo.
Tirou o pó das capas,
reconectou os cabos do velho NATIONAL, que já estava embalado para ir para o
lixo.
Encontrou várias raridades,
que em outro momento causariam inveja em qualquer colecionador. Com tempo de
sobra, resolveu ouvir a pouca herança recebida do avô.
Chiado de agulhas. A
importância de se prestar atenção ao que ouve, virar o disco.
Algumas coisas sempre serão
fora de moda, mesmo em seu próprio tempo.
Entre alguns risos discretos e
algumas lágrimas nos olhos teve um despertar: tudo fazia sentido, tudo já foi
dito em algum momento.
Há dez mil anos atrás já se
previa esse dia em que a Terra parou.
Sim! Conexão direta,
universal.
Apressadamente, num ímpeto de
descoberta, abriu a velha estante e reencontrou os velhos Orwell, Huxley, Kundera
e Sartre.
Uma náusea se fez presente.
Vertigem. O mundo se movia como a beira de um abismo. Precisava de algum
remédio. Uma dose de endorfina, prazer, desconexão.
Era dia 21, um revolucionário
quis a liberdade.
O ir e vir desorientado,
incessante e sem motivo dos dias normais ganhava direção e sentido até mesmo
nas prisões regadas à cerveja do período domiciliar.
Tudo se conectava, os velhos
profetas injustiçados tinham razão.
Apocalipse now.
O Universo se movia em seus
pensamentos como uma eterna espiral.
Tudo era uma coisa só.
As palavras, repetidas
incansavelmente, transmutavam-se em mantras, orações, a língua dos anjos.
A loucura mostrava sua cara,
seus tentáculos, suas garras.
Por que agora?
Tudo sempre esteve ali, mas
nunca foi notado.
O essencial é invisível aos
olhos e quando pode ser visto fingimos não enxergar.
Seu grito rompeu o silêncio da
rua deserta.
Silêncio.
Ainda havia uma esperança.
Haviam muitas esperanças.
Reescrever a história, fugir
das previsões, o despertar do mundo.
Todos eram um.
Havia muito a se escrever, a
se dizer, a se ouvir.
A destruição do que era
precioso foi só o começo de um novo tempo.
R.E.C.O.M.E.Ç.O.
Havia enlouquecido?
Não.
Louco era antes.
Rafael Freitas
Resta o lado B do disco? Adorei!
ResponderExcluirOuvimos os discos. Todinhos. Assim como tudo, até o fim. Até no fim da rua também. As vezes acho que é saudades.
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